Para sobreviver em 2024. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 10 meses agoPUBLICADO ORIGINALMENTE EM O GLOBO E NO SITE DO AUTOR, www.gabeira.com.br 8 DE JANEIRO DE 2024
Passado o ano, as listas pessoais de desejos, nada mais a fazer do que encarar a realidade. Mesmo um tipo de realidade sobre a qual nada podemos fazer: as eleições nos Estados Unidos, o esforço da China para anexar Taiwan. Até na guerra no Oriente Médio, tudo o que pudemos fazer foi sofrer e reclamar, exceto, é claro, a iniciativa oficial de trazer brasileiros de Israel, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
O ano entrou com o terremoto no Japão. É um ano de eleições municipais no Brasil. Pensei em ligar o progresso japonês em prevenção e resposta aos grandes eventos naturais a um debate sobre as cidades brasileiras. As mudanças climáticas estão aí, é preciso tirar gente de área de risco, preparar comunidades para uma resposta de emergência.
No primeiro artigo que escrevi no ano cheguei a sugerir que bons planos nesse campo poderiam sonhar com financiamento internacional. Afinal, é o esforço de adaptação às mudanças, e já no Acordo do Paris se falou numa verba para financiá-lo.
Confesso que senti uma ducha de água fria quando vi o Congresso aprovar uma verba de quase R$ 5 bilhões para financiar a campanha eleitoral. É algo distante de nossa realidade e muito distante também de quem se dispõe a considerar as mudanças climáticas e a necessidade de transitar para outro tipo de economia, outro tipo de produção e consumo.
Os gastos eleitorais são previstos como se tivéssemos uma fortuna para esbanjar, como se a tecnologia não tivesse simplificado a relação com o eleitor, como se imaginação fosse banida das eleições e houvesse lugar apenas para grana, muita grana.
A esta altura, creio, já não adianta reclamar. As coisas acontecem, surgem rapidamente no noticiário, desaparecem, e você se torna um chato se ficar repisando.
As mudanças climáticas e o El Niño não nos darão trégua neste ano. Será preciso insistir em algumas teses, ainda que os políticos não as ouçam. É preciso se adaptar, fazer planos, fortalecer a Defesa Civil, educar a população, sobretudo em áreas vulneráveis.
Outro dia, numa reunião no Senado, soube que a Defesa Civil de Santa Catarina se inspira no Japão. Reconheço que não podemos transplantar a mentalidade japonesa, muito menos investir como eles na resiliência urbana.
Existem algumas ilusões que precisam ser desfeitas. Uma delas é supor que temos muito poucos recursos para realizar esses planos. Podemos não ter abundância, mas existem recursos, e mais existiriam se aceitássemos a realidade e os usássemos racionalmente.
Outra ilusão é supor que os brasileiros sejam totalmente refratários à preparação para desastres. Ela parte do princípio de que a indisciplina faz parte de nossa natureza.
Entrevistando algumas brasileiras no Japão, ouvi delas que estão perfeitamente integradas ao trabalho de resposta rápida, fazem simulações e seguem à risca todo protocolo que os japoneses adotam. Isso é válido para toda a colônia brasileira no Japão.
No encontro no Senado, Esperidião Amin lançou a ideia de premiar cidades com os melhores planos de prevenção e resposta. Se for algo substancial, pode atrair prefeitos. Tudo vale para mudar o quadro no Brasil. Anualmente, somos atingidos pelos eventos naturais, perdemos gente e quase não nos sentamos, como fazem os japoneses, para avaliar nossa vulnerabilidade e tentar reduzi-la.
O ano eleitoral começou com um terremoto à distância e previsões pessimistas sobre o El Niño, num contexto de aquecimento global. Não importam as dificuldades nem o perigo de parecer chato, mas é necessário insistir com políticos e eleitores. Alguma coisa está acontecendo.
Por favor, tragam seus guarda-chuvas para a tempestade que nos espera.
Prócer do PT esclarece que a verba de 5 milhões para “custear” despesas das eleições a prefeitos e vereadores neste ano “é o custo da democracia”. Ah bom ! Então é válido que os contribuintes arquem com mais este “penduricalho”, a fim de evitar-se uma ditadura…