Governando democraticamente… Por Aylê-Salassié F. Quintão
Governando democraticamente… e movendo-se no Poder pela força das emendas …
Em 2024, ano de eleições, os partidos políticos, os senadores e os deputados deverão ter à sua disposição, um mínimo de R$ 35 bilhões (querem R$ 50 bi) para gastar em projetos comunitários nas regiões de origem. Basta apoiar o Governo no Congresso. A aprovação de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal e as reformas tributárias custaram, em uma semana, próximo de R$ 10 bilhões, em emendas orçamentadas para 2023, e não pagas até então. Trata-se de um instrumento que os congressistas utilizam para apropriar-se de uma parcela do Orçamento da União, cujos valores, são liberados pelo Executivo mediante barganhas políticas.
O governo vai precisar delas nesse próximo ano, o das eleições municipais e da substituição de um terço dos senadores. Das 5.500 prefeituras, apenas 180 são do PT, para um contrapeso de quase 800 prefeituras do MDB, 700 do PP, 667 do PSD e 531 do PSDB. A meta do Partido é dobrar esse número e, no Senado, onde, hoje, só tem 9, dos 81, senadores, elevar para, pelo menos 20 seus representantes federativos. Nas eleições de outubro serão disputadas 27 vagas, uma para cada unidade da Federação. Sobrecarregará o Orçamento com os R$ 35 bilhões em emendas e mais R$3,9 bilhões para um Fundão de custos administrativos.
Não é de surpreender, portanto, que os petistas pretendam ficar no Poder por mais 20 a 30 anos. “Vamos voltar”, advertia Zé Dirceu, quando começou a ter os correligionários e os aliados presos, pela Lava Jato, por manipulação criativa do dinheiro público. Anteriormente, nos escândalos do Mensalão – compra de apoio no Congresso -, o ex-ministro Joaquim Barbosa, ao relatar na Corte Suprema o manuseio irregular de recursos, um subsídio que o Executivo destinava à base de apoio, Barbosa concluiu premonitoriamente que “muitas coisas precisavam ser apuradas ainda”. Iria desembocar na Lava Jato. Assustado, pediu a aposentadoria.
Mas a mandinga de Dirceu deu certo: voltou todo mundo, com a anuência do Supremo Tribunal que, num artifício político judicial, não reconheceu a inocência dos acusados da Lava Jato, mas desqualificou as instâncias jurídicas condenatórias e as penalidades, liberando todos para retornar ao abrigo do Estado. E o fizeram, usando velhos métodos com nomes diferentes. A fonte sempre foi uma só: o Tesouro Nacional.
No Orçamento para 2024, estimado em R$ 11,5 trilhões (US$ 2,1 trilhão), não existe, entretanto, espaço para o aumento de um centavo na despesa pública. Esta é a conclusão do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Mas, e as eleições ?!?… É a hora de dar vida às premonições do conselheiro do Partido. Lula quer, e vai gastar, nem que seja com as emendas parlamentares, Haddad que se vire.
O cenário foi agravado, nos últimos dias, por uma proclamação triunfalmente intempestiva de Lula, ao aprovar no Senado o nome de Flávio Dino para o STF. “Conseguimos eleger um comunista!”. Atentou contra a Constituição, e desqualificou previamente o futuro ministro. Pelo perfil constitucional, ministros do STF devem ser pessoas moralmente ilibadas, isentas de compromissos políticos, partidários e ideológicos. Para preservar a credibilidade, Cristiano Zanin, advogado particular de Lula, também indicado por ele, e aprovado no Senado, tem evitado votar questões às quais esteve envolvido como advogado de defesa, ponderando com sua própria suspeição. Jogará assim – é certo -até onde for possível.
A derrapagem de Lula conduz a um caminho complicado. Claro que ninguém, nem os mais ingênuos, acredita nessa história de que “Comunista come criancinhas”. Contudo, come muita gente mesmo e, por isso, assusta sim. Lênin, Stálin, Mao, considerados líderes de revoluções populares democráticas, deixaram um legado de desumanidade fantástico: milhões de mortos entre os opositores aos respectivos regimes. Na Rússia chegou-se a quase 20 milhões de cidadãos. A Revolução Cultural de Mao Tsé Tsung matou mais de 70 milhões: perseguia minorias e tentava descartar a geração mais idosa.
É a história!… Não se trata de invenção. Por aqui estão ressurgindo as tais narrativas e a censura, criada pelos militares e, agora, nas mãos das classes corporativas, Poder Popular, cujos exemplos na América Latina incluem Fidel Castro (Cuba: 1959-1976) , Nicholas Maduro (Venezuela: 2012…), Daniel Ortega (Nicarágua: 1979…….) e outros que fizeram e tem feito coisas similares. Nesse diapasão, o problema eminente não é bem o comunismo, mas a autonomia que o Lula vem vagarosamente adquirindo para transitar em via própria, tentando abrir caminho para uma história pessoal. Enver Hoxha (1944-1985), – dos modelos mais próximos – conseguiu transformar a Albânia no país mais pobre da Europa.
Mas, no Brasil, vive-se uma democracia, que se desenvolve por meio estratégias e táticas típicas dos think tanks (tratores da comunicação), para se conseguir o que se pretende. Estão lá o bolsonarismo, o 8 de janeiro – totalmente mal explicado – declarações e posicionamentos dúbios sobre invasões militares de territórios alheios. Atrás de tudo isso e está o aparelhamento do Estado em todas a instâncias, inclusive no Judiciário, e a naturalização das práticas abusivas de compras da consciência política no Congresso e nos estados.
As emendas, sob a promessa de liberação física dos recursos, transformaram-se em moeda de troca. São 35 bilhões para 2024. Assusta até o Ministro da Fazenda, o tecnocrata do “caixa preta”, com adaptação difícil na política. Cada vez que o Presidente ou o partido do Governo precisa gastar, ele tem de descobrir, no mundo digital do Tesouro, onde está o dinheiro. Haddad tem feito proezas holográficas. As eleições de 2024 vão sobrecarregar, sem dúvidas, o Orçamento de 2024 ainda mais: é o meio do caminho para presumíveis vinte anos de mandato.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018