Laços que não se rompem. Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
… O outro espaço para se constituir laços de amizade é a rua. Ela era mais adequada para se construir e manter amigos quando por ela se transitava e se permanecia com mais frequência. Hoje se tem os carros a nos isolar e impedir o contato com o outro…
PUBLICADO EM "MARIZALHAS", MIGALHAS,
EDIÇÃO DE 19 DE DEZEMBRO DE 2023
Eu creio ser coisa rara a manutenção de amizades que romperam o tempo e o espaço, e se perpetuaram. O tempo não consegue reduzir-lhes a intensidade e o espaço não cria barreiras que impeçam o convívio, ainda que esparso.
Não me refiro às amizades que beiram o simples conhecimento ou as que ficam restritas às normas da sociabilidade. Falo daquelas que possuem raízes profundas e sólidas e remontam épocas e situações arraigadas nas nossas memórias. Um fator responsável pelo nascedouro desses afetos é a escola. Pelo menos parte das minhas foi gestada nos bancos escolares da infância e da juventude. Uma outra fonte é a rua. A rua na qual se morou ou aquelas por nós frequentadas.
Ambos os locais, escola e rua, constituem um fértil campo para que germinem as amizades que se solidificaram no decorrer dos anos. Lá nós aprendemos a conviver, vale dizer saímos de nós para enxergar o outro e com ele interagir. Nós somos retirados do casulo do nosso interior.
Passamos do interior para o exterior, da imagem para a realidade.
Na escola há o aprendizado, que vai sendo adensado à medida que ele evolui. Em todos os estágios amigos surgem, amigos ficam e amigos se vão. Do primário até à Faculdade a fonte é reabastecida continuamente. Uma vez terminado um ciclo entra-se em outro, de natureza profissional onde as amizades anteriores são sedimentas e outras nascem.
O outro espaço para se constituir laços de amizade é a rua. Ela era mais adequada para se construir e manter amigos quando por ela se transitava e se permanecia com mais frequência. Hoje se tem os carros a nos isolar e impedir o contato com o outro. Dos prédios para os carros sem se ter que dar necessárias caminhadas. Com efeito, tempos atrás tinha-se que andar para pegar condução, para se fazer compras, as visitas eram mais frequentes e ia-se a pé a lugares menos distantes. As pessoas se viam mais e um simples “dedo de prosa” constituía um fermento para alimentar e fazer crescer as amizades.
Eu tive e tenho amizades dos locais de ensino que frequentei e das ruas pelas quais perambulei e flanei durante toda minha juventude, diria até que na infância eu já ia para as ruas. A Stella, localizada na confluência dos bairros do Paraiso e da Vila Mariana era o meu reduto, meu e de tantos outros jovens habitantes das redondezas.
Recentemente amigos editaram um livro em minha homenagem. Pois bem, ao seu lançamento foram conhecidos das mais variadas épocas e circunstâncias. Os das escolas, os da advocacia e, claro, os velhos amigos da rua Stella lá estavam. A amizade com os mais antigos, data de setenta e três ou setenta e quatro anos. Foram três colegas do Externato Paraiso, tínhamos quatro ou cinco anos quando cursamos juntos o jardim da infância. A vida não nos separou, nos uniu.
Esse texto singelo foi escrito em louvar à amizade, e para dar graças por não me incluir no poema de Cassiano Ricardo : “Só tenho três amigos / meu eco, minha imagem e minha sombra.”
https://www.migalhas.com.br/coluna/marizalhas/399264/lacos-que-nao-se-rompem
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*Antônio Claudio Mariz de Oliveira é advogado criminalista, da Advocacia Mariz de Oliveira. Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Conselheiro no Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), membro da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e atuou como Secretário de Justiça e Secretário de Segurança Pública de São Paulo nos anos 1990. Foi presidente da AASP e da OAB-SP por duas gestões.