Imagem roubada. Por José Horta Manzano
… Não me lembro de ter visto nenhum articulista preocupado com a licitude da imagem. Tirar uma foto por cima dos ombros de alguém, captar um trecho de conversação particular e espalhar a imagem me parece configurar algum ilícito. No mínimo, é violação de correspondência alheia…
Uma imagem roubada da tela do celular do senador Sergio Moro foi estampada na manchete de toda a mídia. A foto, tirada durante a sabatina de Flávio Dino, eterniza uma conversa entre Moro e um correspondente misterioso identificado como “Mestrão”.
Moro acabava de dar um abraço em Dino diante das câmeras que transmitiam ao vivo. Logo depois, “Mestrão” envia mensagem a Moro para prevenir que “o coro está comendo nas redes” e que não convém publicar declaração de voto a favor do sabatinado, sob pena de espichar o assunto e perder o controle da situação. Foi nessa altura que a foto foi tirada.
Os dois devem se conhecer bem, dado que “Mestrão” chama o senador pelo prenome. Tem mais: “Mestrão” põe vírgula depois do vocativo, mostrando que pelo menos completou o ensino médio.
Dia seguinte, diversos articulistas da grande mídia comentaram o ocorrido. “Quem será o Mestrão?” – indaga um deles. “Veja só, o que as redes mandam, Moro faz” – se surpreende um outro. O que cresceu foi a fofoca. Me lembrou os mexericos da Candinha.
Não me lembro de ter visto nenhum articulista preocupado com a licitude da imagem. Tirar uma foto por cima dos ombros de alguém, captar um trecho de conversação particular e espalhar a imagem me parece configurar algum ilícito. No mínimo, é violação de correspondência alheia. É como abrir (e ler) a carta do vizinho. (Hoje já ninguém manda carta, mas o princípio deve continuar de pé.)
Quem agiu assim fez exatamente o que se acusa Moro de ter feito: escarafunchar a intimidade de seus investigados para melhor acusá-los.
Não sou fã de Sergio Moro, personagem pouco recomendável a meu ver. Mas uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa.
Neste caso, é outra coisa.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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