O futuro vem quente, e já estamos fervendo. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 11 meses agoSe hoje é segunda-feira, devo estar em Maceió. O tema, todos sabem: 60 mil pessoas expulsas de 14 mil casas porque a terra abrirá. As minas de sal-gema da Braskem inviabilizaram cinco bairros da capital de Alagoas.
O ano está terminando. Pretendo trabalhar direto. Argentina, quem sabe Essequibo. Há pouco tempo e muito a aprender. Uso os excedentes para comprar equipamentos em black fridays. Não os mitifico, mas fazem a diferença numa equipe minimalista.
Foi o ano mais quente da História. Lindas manhãs: maio, junho, julho, agosto, setembro, novembro anuviou. O El Niño trouxe reflexos aqui, embora tenha devastado o Sul, secado a Amazônia e ameaçado o inverno que entra no Nordeste.
Ainda assim, creio que não há mais retorno. Já estamos fervendo, e o futuro vem quente. Se fosse apenas o clima mutante, talvez pudéssemos ainda respirar. Segue a guerra na Ucrânia atravessando o ano, o atentado terrorista de 7 de outubro em Israel, mortes, raptos, estupros. E ainda há quem duvide que o Hamas seja uma organização terrorista.
Depois disso, vieram os ataques a Gaza, imagens dilacerantes de hospitais atacados, de corpos de crianças retirados dos escombros. Há outras guerras no mundo.
Mas essa monopolizou nossa dor.
Guerras no Iêmen, Sudão, Burkina Faso, Etiópia, todas elas numa gaveta.
Freud dizia que, sem um pouco de fuga, a realidade seria insuportável. Talvez seja por isso que a imprensa ocidental se concentre em dois conflitos.
O Brasil voltou ao mundo neste ano. Disposição de preservar a Amazônia, vontade de liderar o combate às mudanças climáticas. Mas o mundo a que o Brasil voltou é muito complicado. A vontade de atenuar conflitos foi abatida por declarações contraditórias. Para a imprensa francesa, o Brasil parecia preferir Putin.
No Oriente Médio todos os brasileiros foram retirados com segurança. Isso é bom porque nos dá garantia de que não ficaremos sós em regiões complicadas.
Por falar em segurança, há temas que continuo a acompanhar, mas com a sensação de déjà-vu. Um deles é a violência no Rio. Sempre a mesma indignação, sempre as mesmas respostas, sempre a mesma ineficácia.
Das coisas da política, destacaria a reforma tributária. Algo que vem para melhorar, uma mudança real. Há outras coisas, mas esse cotidiano me aborrece um pouco.
O realismo fantástico ataca de novo na América do Sul. Milei se elege na Argentina e confessa que fala com o espírito do seu cachorro. Maduro diz que ouve passarinhos e ameaça invadir a Guiana.
Fui algumas vezes àquela fronteira, Uiramutã, Raposa Serra do Sol, Pacaraima, sempre via a Guiana do outro lado do rio. Não sabia ainda que tinham ficado tão ricos, com a reserva de minérios que atrai os chineses e 11 bilhões de barris de petróleo que atraem os americanos.
Agora, todos os dias leio sobre Maduro no jornal criado por Petkoff, o Tal Cual. Tinha deixado um pouco de lado a Venezuela, mas as eleições me obrigam a voltar.
Milei, Maduro, direita, esquerda, nuestra América. Há muita loucura por aí, Nicarágua, El Salvador, esquerda, direita, nuestra América.
O plano é tocar discretamente o barco no Brasil e, sempre que houver uma chance dentro e fora do país, sair em busca de uma história. Saul Leiter, o grande fotógrafo, disse que ver é uma arte muito neglicenciada. Queria pagar minha dívida com a arte de ver, antes que escureça totalmente.
Antes também que este ano maluco acabe, tentarei um balanço mais equilibrado. Entre uma onda e outra de calor, sinto o planeta se aquecendo e, às vezes, me pergunto: será que conseguimos?
É preciso correr. Mesmo se vencermos essa luta coletiva, de qualquer forma, existe a individual, em que todos democraticamente somos perdedores.