Lula e a Instrução Pública

… Luiz Inácio, portanto, resolveu dar um esculacho. Não na Matemática, que não ia ficar bem. Preferiu desancar os cursos de Direito assim como os formados nesses cursos.

Lula e a Instrução Pública

Faz poucos dias, Lula foi o participante de honra da cerimônia de credenciamento do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada). Na ocasião, o instituto foi promovido a “instituição de ensino superior” – como se fosse indispensável organizar esse tipo de cerimônia para elevar o Impa ao patamar em que qualquer faculdade de beira de estrada está. Só o nome do instituto já informa que, em matéria de estudo, lá não se brinca.

Luiz Inácio, que deve ter ouvido falar do papelão que o Brasil continua a fazer na classificação Pisa (e que se repete a cada ano), resolveu ralhar. (Não sei se esse verbo ainda é conhecido ou se já foi para o arquivo morto.) Ralhar é sinônimo de “passar um pito”, embora com sentido mais intenso. Dizer que “o professor ralhou comigo” significava contar que o mestre tinha me dado “um esculacho” (expressão que, acredito, esteja ainda em uso).

Luiz Inácio, portanto, resolveu dar um esculacho. Não na Matemática, que não ia ficar bem. Preferiu desancar os cursos de Direito assim como os formados nesses cursos. Apoiado em estatísticas (o que mostra que a fala não foi de improviso, mas estava já programada), colocou o Brasil entre os países que mais formam advogados. Disse que nem juntando todos os advogados da China e da Índia, países de volumosa população, se chega ao número de advogados brasileiros.

Parece inadequado um presidente falar mal de um ramo de estudos diante de uma plateia composta por gente de outro ramo. Não é pecado o que ele fez, mas ficou esquisito. Tem até gente achando que nosso presidente é fofoqueiro. Não é minha opinião.

Talvez para suavizar a relhada, Lula acrescentou: “Nada contra formar advogados. Mas é preciso que a gente forme mais em matemática, engenharia, física”. Mais adiante, com a voz trêmula e uma lágrima querendo apontar no canto do olho, Luiz Inácio não resistiu à tentação do autoelogio e lembrou ao distinto público que foi durante seus mandatos que o Brasil “construiu o maior número de universidades da História”.

Eu disse “autoelogio”? Deveria ter acrescentado “o que Lula acha que é autoelogio”. Luiz Inácio, que sofre de um (pequeno) complexo de sem-diploma, não costuma perder ocasião para ressaltar que saiu do nada e, sem ter feito estudos formais, chegou à Presidência – o que lhe parece motivo de orgulho. Talvez para compensar essa falta de estudo, Lula se empenhou, sobretudo no primeiro e no segundo mandatos, na criação de faculdades de ensino.

Faculdade pública, por oferecer ensino gratuito, atrai muitos alunos. Os cursos de Direito, que têm fama de serem menos puxados que os demais, atraem mais gente ainda. Dado que não existe um controle nacional do tipo “numerus clausus”, para limitar o acesso a carreiras já superconcorridas, as escolas de Direito formam, sim, muitos bacharéis. Como prova de que a maioria não alcança o nível de conhecimentos que se espera de um futuro advogado, sabe-se que nove entre dez formados são reprovados no exame da Ordem.

Há advogados demais no país? Não sei, é possível. Se já há quem reclame agora, fico a imaginar como seria o quadro sem o exame da Ordem. Sem exame, o número de profissionais seria multiplicado por dez.

Lula está terminando seu nono ano como presidente do Brasil. Nove anos é muita coisa. De 1889 pra cá, só o ditador Vargas conseguiu ficar tanto tempo assim no topo. Com essa bagagem toda, é surpreendente que Luiz Inácio não tenha entendido que o problema maior da Instrução Pública no Brasil não se encontra no ensino superior.

O nó que impede os brasileirinhos de avançar é o baixo nível da escolaridade obrigatória. Podem-se abrir dúzias e dúzias de institutos de Matemática que não vai adiantar. Enquanto o estudo Pisa continuar jogando na nossa cara que, em Matemática, nosso país foi classificado em 59° lugar entre 73 pesquisados, raros serão os jovens a desenvolver gosto por essa ciência.

É verdade que, ao se auto agradar lembrando que foi o presidente que mais criou faculdades no Brasil, Lula tem certeza de que a História lhe reservará um lugar especial.

E a avaliação Pisa, Lula?

Pfff, isso não conta! É coisa de países ricos que tentam nos rebaixar e humilhar! Vamos continuar abrindo faculdades!

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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