Justiça suíça julga estupro por minutos. Por Rui Martins
O tribunal federal suíço acabou com essa falha jurídica mundial e criou a categoria do estupro curto, abrindo o caminho para outros tipos de relação sexual sem consentimento a serem catalogados pela lei: o estupro longo, o estupro demorado ou o estupro rápido…
Ao que se saiba, não existia nenhuma jurisprudência ou decisão de um juiz de primeira instância sobre a duração de um estupro, levando-se em conta os minutos dessa violência sexual. O tribunal federal suíço acabou com essa falha jurídica mundial e criou a categoria do estupro curto, abrindo o caminho para outros tipos de relação sexual sem consentimento a serem catalogados pela lei: o estupro longo, o estupro demorado ou o estupro rápido. Diante de um caso de estupro, o tribunal reduziu de um ano a pena inicial, a pretexto de ter sido um “estupro curto” de onze minutos!
Diversos movimentos femininos europeus tiveram um sobressalto diante dessa decisão judicária: as mulheres vão precisar agora levar consigo um cronômetro para fixar quantos minutos demorou seu estupro no caso de serem violadas? Ainda pior, o magistrado ou grupo de magistrados suíços responsáveis por essa rara e absurda peça jurídica consideraram curto o estupro do qual foi vítima a queixosa, coisa de onze minutos (!). Nessa base, um estuprador com ejaculação precoce poderia ter pena mínima ou sair livre por praticar um estupro rápido.
Diante da repercussão provocada, o caso será rejulgado mas o mal já foi feito. Ficou a impressão de que nem toda Justiça, nem mesmo a suíça, tem idéia do que seja um estupro. Condicionar a punição de um estuprador aos minutos que durou a penetração corresponde a um atestado de nulidade jurídica do juiz ou da turma de magistrados.
As mulheres entrevistadas pela televisão européia mostravam-se assustadas – como um tribunal federal suíço quer cronometrar o estupro, o ato de se obrigar uma mulher a fazer sexo ou de drogar uma mulher para dela se aproveitar? Estupro é uma violação, não é só o ato que conta mas a violência, a tentativa, o abuso. Isso não se mede por tempo. Um estupro é um estupro, não interessa se durou um minuto, dois ou dez minutos!
Diante da repercussão provocada, o caso será rejulgado mas o mal já foi feito. Ficou a impressão de que nem toda Justiça, nem mesmo a suíça, tem idéia do que seja um estupro.
Esse episódio, lembra outro recente ocorrido no mês de abril do ano passado, em Roma, contado pelo jornal Corriere della Serra na escola de cinema e televisão Roberto Rosselini de Roma, onde uma jovem de 17 anos, ao subir a escada para sua classe, sentiu que uma mão se enfiava entre a calça e seu traseiro. Era a mão do agente de limpeza da escola, Antonio Avola, que lhe sorriu, quando a jovem olhou para trás, e disse ser uma brincadeira. Mas a estudante não gostou, denunciou quem lhe tinha passado a mão e o caso foi parar na justiça.
Ora, a justiça italiana precedeu a da suíça no que refere à mão boba. Um procurador de Roma pediu uma prisão de três anos e meio para o senhor de 66 anos, mas, em julho, um tribunal de Roma, inocentou o sexagenário a pretexto de que o gesto de curta duração, uns dez segundos, não fora o suficiente para ser repreensível e que finalmente, como dissera Antônio, não passara de uma brincadeira!
A televisão belga, RTBF, deu grande espaço ao que qualificou como abuso e uma jurista convidada considerou absurda a decisão do tribunal romano. O professor Patrick De Neuter de psicopatologia na Universidade de Louvain considerou o machismo subjacente e mesmo inconsciente em muitos homens, como um provável fator na decisão judiciária. “La palpata breve se minora de 10 secondi non é considerata reato” divulgou também o ator italiano Paolo Camilli com o hashtag #10secondi, popularizado na Itália.
DIRETO DA SUIÇA
- Rui Martins também está em versão sonora no Youtube, em seu canal –
https://www.youtube.com/@rpertins
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Rui Martins – Direto da Suiça – é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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