A estátua. Por Antonio Contente
… na única praça pública da sede do município, em frente à matriz, uma estátua do homem. Feita a coleta para a obra, ela foi confeccionada na Capital do Pará, Belém, e se constituía num busto, em bronze…
A rigor a cidadezinha de Corumbebatêua, no litoral maranhense quase divisa com o Pará, ainda é um lugar paradisíaco. Praias lindas, poupadas e limpas, rodeadas pôr mangues absolutamente integrais, vive dias de ventos constantes e noites de estrelas indesmentíveis. Pois este lugarejo, há tempos, teve um prefeito atuante. E apesar de, como é de praxe até em lugares mínimos, possuir seus inimigos políticos, o alcaide trabalhou tanto que um grupo de correligionários resolveu entronizar, na única praça pública da sede do município, em frente à matriz, uma estátua do homem. Feita a coleta para a obra, ela foi confeccionada na Capital do Pará, Belém, e se constituía num busto, em bronze.
Agora, se mais curiosidades em torno do evento pudessem existir, havia uma absolutamente singular: seu Geraldo Dimas, o tal burgomestre, era a cara do ex-presidente Sarney que, naqueles dias, anos cinquenta, apenas começava a trajetória que o conduziu a tantos cargos relevantes e à enorme fortuna que, dizem, possui.
Na manhã da inauguração do busto houve grande festa em Corumbebatêua. Instalaram na praça um potente serviço de autofalante que espalhava músicas, inclusive o maior hit da época, o xote, ou rasqueado, ou baião, ou o que lá seja intitulado “Capim Gordura”, interpretado com certo charme por Ivon Cury. Faltando ainda três anos para o término do mandato de seu Geraldo, o busto, atravessando o rigor de umidíssimas estações de muitas chuvas, ficou completamente esverdeado.
Na nova eleição, surpresa: o aparentemente amado alcaide não conseguiu eleger o sucessor, tendo vencido justamente seu Maurício da Eneida, o grande rival. Sua primeira ação foi mandar retirar da praça o busto do antecessor e jogá-lo nos desvãos de um depósito da Prefeitura. Até, como se isso tivesse funcionado com ares de maldição, nunca mais seu Geraldo Dimas mandou no lugar. Morreu na condição de modesto pescador, que é o que tinha sido a vida inteira até ser fisgado pela política. O busto permaneceu esquecido no tal depósito.
Pois é, mas acontece que, inexoráveis, os anos rolam, e chegamos ao século XXI. Corumbebatêua, naturalmente, permanece quase como sempre foi, porém com sutil diferença: abriram uma estrada até lá. Tudo graças aos bons ofícios do Dr. José Sarney, já senador da República e ex-presidente. Hoje até alguns turistas pintam em busca das lindas praias. Enquanto os ecologistas, claro, detestaram a rodovia, e não tiveram dúvida em batizá-la de “caminho maldito”.
Já um dos posteriores prefeitos e seus seguidores, em sinal de agradecimento ao parlamentar, escritor, poeta, membro da Academia Brasileira de Letras, que, na ocasião, presidia o Congresso, resolveram entronizar na praça matriz um busto do autor de “Marimbondos de Fogo”. Só que, o que não é comum em tais iniciativas, surgiu o problema: onde arranjar verba para a confecção da homenagem? Se você, amigo, já tinha imaginado, foi exatamente o que aconteceu – no entulhado depósito da Prefeitura pegaram o antigo busto de Geraldo Dimas, ainda mais esverdeado em virtude dos muitos anos guardado. Como ele era sósia perfeito, como se gêmeo univitelino fosse do famoso político maranhense, operou-se a devida limpeza do bronze, atualmente entronizado na frente da igreja Matriz.
Na placa, está escrito: “Ao Dr. José Sarney, as homenagens de Corumbebatêua agradecida”.
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ANTONIO CONTENTE –
Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
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