E ficou a saudade. Por Antonio Contente
… Dizem, contudo não sei se provam, que a palavra “saudade” seria intraduzível, que não haveria o equivalente em nenhuma outra língua do planeta. Certamente isso é exagero, entretanto, aqui e agora, não conseguiria apontar uma irmã gêmea…
O título desta crônica é um gancho, daqui até o final do texto não faço muita idéia do que sairá. “E ficou a saudade” é o nome de um filme antigo, um bom filme, ainda em P&B. No elenco de grandes astros e estrelas da época estão Frank Sinatra, Tony Curtis e Natalie Wood. Mas o importante, neste exato momento, não é a história que a película narra, porém, seu título, cheio de significados. Até porque, de uma forma ou de outra, para cada um de nós, sempre, resta uma, ou até mais, saudades.
Dizem, contudo não sei se provam, que a palavra “saudade” seria intraduzível, que não haveria o equivalente em nenhuma outra língua do planeta. Certamente isso é exagero, entretanto, aqui e agora, não conseguiria apontar uma irmã gêmea em nenhum dos idiomas que estamos acostumados a arranhar.
Assim que o nome da película ocupou a tela da TV, uma tarde dessas, fui atraído não pelo belo elenco ou por algum outro pormenor da ficha técnica, como produtor, diretor etc., detalhes a que costumo prestar atenção. Imediatamente, como fazia céu de chumbo e até esperança de menos calor, fui remetido a ruas e casas, a lugares e situações, céus e estrelas, luas e auroras, esses maravilhosos componentes que costumam estar presentes em muitas criativas saudades. Confesso a vocês que, volta e meia, escolho as minhas. Às vezes sou tomado por algumas que nem gostaria que emergissem; todavia, em geral escolho, como se dissesse: OK, hoje vou ter saudades daquela rua onde, em algum tempo, fui feliz, ou daquela garota que amei tanto mas que, por circunstâncias absolutamente explicáveis, me trocou pôr outro.
Poucas coisas me remetem a boas saudades como certas músicas. Com relação a isso até parece que há, ocasionalmente, conspiração de forças ocultas que fazem com que pinte uma canção em lugar que você nunca imaginaria que pudesse pintar. Tarde dessas, por exemplo, ante um atraso de avião em Cumbica, fui tomar um uisquinho, no bar do aeroporto. De repente no som ambiente do simpático lugar, a mão do destino, transformada em DJ, foi lá e colocou, para inundar o ambiente, Nat King Cole a cantar “Stardust”.
Eram sempre assim, emergiu a saudade, as manhãs de domingo. Enquanto eu esperava a moça, numa saleta da casa dela, acabava invariavelmente envolvido pela voz do cantor americano a espalhar as tais poeiras de estrelas. Gostava quando a guria aparecia vestindo saias de seda necessariamente azuis que dançavam no ar se a menina rodava ao perguntar sobre sua infalível elegância. Havia, nas manhãs de antigamente, certa cumplicidade entre luz e sons. E até quando as letras das músicas falavam de noites estreladas, era como se garantissem que, apenas, antecipavam as douradas auroras.
Não existe nada melhor do que ser tomado por lembranças assim, principalmente num aeroporto à espera de avião que atrasou. Até porque depois, no instante em que, enfim, a partida foi anunciada, deixei o restaurante com Nat King Cole ainda cantando. Justamente o trecho sobre as noites em que ele ficava à mercê da poeira de estrelas. Fechei minha recordação e embarquei. Mas, como diz o título do filme e desta crônica, as saudades ficam. Dentro de nós, quero dizer. É bom, é muito bom que algumas venham de vez em quando a tona. Na vida recordada, quando há erros a gente corrige. Ou pensa que…
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ANTONIO CONTENTE –
Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
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