imaginação orçamentária

Imaginação orçamentária. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão

PERIGOSAS FANTASIAS ORÇAMENTÁRIAS 

… Fernando Haddad adverte, pelo menos, que “a democracia precisa ter legitimidade econômica”. A arrecadação não está conseguindo atingir os limites imaginários…

imaginação

Depois de mandar para a prisão um punhado de políticos e até presidentes da República, passar por uma fase descarada de revisão das punições, e ser enterrada, a Lava Jato parece tremer no túmulo, acompanhando essa discussão insólita sobre o tal de déficit primário zero das contas públicas. “Ora, 0,5% ou 0,25% isso é nada!”, Dilma quem o diga. Déficit primário é a diferença entre as receitas e as despesas do Governo, já descontados os juros da temerosa dívida pública, de R$ 6 trilhões, no montante de R$ 700 bilhões anuais.

Esses percentuais acima estão relacionados com o PIB, projetado em 2023 para R$ 2,7 trilhões, e representado, setorialmente, por atividades na área dos serviços, da indústria, da agropecuária, do consumo das famílias, do gastos do governo, dos investimentos, das exportações e importações. Como as receitas do Brasil não dão conta das despesas, os déficits são financiados pelo endividamento público seja interno ou no exterior.

É uma questão grave do ponto de vista da contabilidade nacional e para a imagem do País. O atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem no déficit zero seu principal propósito em 2024. Isso se não for apenas um intérprete, um ator, na arte de dar sustentação para a governabilidade. Mas, no fundo, como um homem da administração, ele cultiva, supostamente, a ideia liberal da estabilidade jurídica e do equilíbrio nas contas públicas que atraem investimento para a economia, e motiva o desenvolvimento seguro. Deve querer ver as coisas darem certo, de maneira correta.

Mas os percentuais e estatísticas parecem cegos, e cegam ainda mais gente menos diligente, e até mal intencionados. Que o diga o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, com sua economia criativa. Não parece que Haddad tenha vocação para isso. Esses percentuais acima correspondem, simplesmente, a valores variáveis entre R$ 40 a R$100 bilhões, mais que o orçamento de muitos países no mundo. Sem eles, dificilmente, o Governo poderá se arvorar em construir milhares de escolas e hospitais no Brasil e realizar obras prioritárias de infraestrutura descrita no PAC- Programa de Aceleração do Crescimento. “Não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a fazer corte de bilhões em obras prioritárias para o País’, disse o Presidente Lula, que também se nega a contingenciar (congelar) no orçamento para determinadas despesas.

Haddad se faz de morto, mas há mesmo, dentro do próprio Governo, quem dê razão ao Presidente. Para fazer o que fez – construir Brasília, abrir estradas de integração no país e realizar centenas de obras que entravavam o desenvolvimento – Kubitscheck endividou o país assumindo compromissos que, provavelmente, estão sendo ressarcidos até hoje. A gastança é uma estratégia delicada do ponto de vista contábil, embora festejada no meio populista. O ex-ministro da Fazenda dos militares, Antonio Delfim Neto, que chegou a orientar, informalmente, os governos Lula, aconselhava: “Dívida não se paga, rola-se”.

Em tempos mais próximos, essa brincadeira, que vem desde o governo Dilma Rousseff, provocou um rombo nas contas públicas da ordem de R$ 140 bilhões, um déficit de 1,4% do PIB. No atual Governo, o déficit primário remanescente no segundo quadrimestre de 2023, está em R$ 101 bilhões, inferior, é verdade, R$ 38,5 bilhões ao déficit imaginado para o segundo quadrimestre na programação orçamentária e financeira do Governo.

Há um exagerado otimismo – não é um mal: JK tinha esse perfil – mas a equipe econômica do Governo  projetou um aumento da ordem de R$168 bilhões na arrecadação do Governo, que resultaria – não é pecado sonhar – das novas medidas do Governo: a aprovação no Congresso do “arcabouço fiscal” (PLP 93/23), que promete melhorar a vida dos pobres, e onerar a dos ricos, taxação das heranças, tributação de dividendos, reajuste do imposto para as “offshores” – empresas e contas bancárias abertas em países com tributação – introdução de uma nova política tributária, fazer seleção nos incentivos fiscais, enfim, um grande ajuste nas contas públicas, o que depende das simpatias no Congresso.

Assustado com esses efeitos históricos, que chegaram ao impeachment de Dilma, o Haddad tem procurado diretamente o Presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, para convencê-lo a colocar em votação esses projetos de lei da área econômica e até emenda constitucional. Lira parece ter o controle do Centrão – uma união informal de partidos ideologicamente de centro, que representam interesses variados. Mas é a maioria dos votantes.

O Presidente da Câmara começa, entretanto, a ficar contra a parede, porque na votação do Orçamento para 2024, que deverá ocorrer a partir de novembro, vai ter de defender as chamadas “emendas parlamentares”, que compreendem a destinação, a cada um dos 600 parlamentares, bancadas e partidos, um valor extraordinário para ser usado numa gastança indistinta em suas regiões de origem. Para 2024 chegam a R$ 38 bilhões, em caráter impositivo, em pese ter regras novas.

Haddad quer as aplicações individuais dentro do Orçamento. É, contudo, uma verba cheia de controvérsias, pois dá origem a centenas de obras de continuidade duvidosa. O Parlamento, ao contrário, quer ainda prorrogar as desonerações para empresas e para os benefícios regionais. Alguns parlamentares, chegaram a propor o pagamento de servidores públicos estaduais pelo Tesouro Nacional. Mesmo diante dos arroubos de Lula, o déficit público previsto não será inferior a 0,74% e a dívida pública vai continuar aumentando, já que os partidários do Governo não querem congelamento de recursos. Significaria uma paralização de investimentos. Receitas superestimadas não resolvem.

Fernando Haddad adverte, pelo menos, que “a democracia precisa ter legitimidade econômica”. A arrecadação não está conseguindo atingir os limites imaginários.

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Aylê-Salassié F. Quintão –  Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

 E autor de Lanternas Flutuantes:
Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
Tailandês – Loi Kathong (ลอยกระทง) 

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