HISTÓRIA

FLUMINENSE X CORINTHIANS ,1976, MARACANÃ

A história se repete… Por Laurete Godoy

DECISÃO DA TAÇA LIBERTADORES 2023

E não é mesmo verdade, que a história se repete?

Só espero que, desta vez, o placar seja diferente.

HISTÓRIA
FLUMINENSE X CORINTHIANS ,1976, MARACANÃ

       “Torcedores do Fluminense e Boca Juniors brigam em Copacabana”

                                         Essa notícia e as cenas divulgadas pela mídia fizeram-me voltar no tempo e recordar momentos que vivenciei no Rio de Janeiro há 47 anos. Quase meio século!

       Nasci em Santos e era torcedora do Santos F.C., clube que, na minha infância, era conhecido como “baleia”.   Vivi a época fantástica das tabelinhas milagrosas e milagreiras, que começavam com Pelé e Coutinho na defesa, bola descrevendo desenhos de renda no gramado, terminando por estufar a rede contrária.

       Tempinho bom, aquele.

       A partir de 1970 meu entusiasmo pelo esporte bretão foi esfriando e, de repente, passei a não ter preferência por nenhum clube. As tendências variavam de acordo com as preferências dos sobrinhos. Pelo Cacká eu era palmeirense. Pelo Rogério, a favor do Corinthians. Por isso, passei a me considerar Aclúbida e justifico: se quem não tem pátria é apátrida, por certo, quem não tem clube deve ser aclúbida.

    Eu era aclúbida… Porém, em dezembro de 1976 fui ao Rio de Janeiro, justamente no final de semana em que seria realizado no Maracanã, o jogo entre Fluminense e Corinthians.

       Saímos com o dia clareando, para fugir do maior fluxo de veículos. Nem por isso as coisas estavam tranqüilas. Os carros seguiam céleres pela Via Dutra, que se transformou para os paulistas em Rodovia Corintiana, ou, Rodovia das Lágrimas como foi chamada por alguns cariocas, certos de que o Corinthians sairia derrotado do jogo de domingo.

       Passavam por nós carros enfeitados com bandeirões, bandeiras, bandeirinhas e bandeirolas. Todos se cumprimentando, o polegar para cima, o grito de guerra: Timão, timão, timão.  Um fusca vermelho transportando aproximadamente uma vinte pessoas, passou veloz com um cartaz: Marília com o Timão no Maracanã.

       Todos uma só família em confraternização geral.

       À nossa frente, um ônibus com os Gaviões da Fiel. À sua passagem, os trabalhadores da estrada que apareciam eventualmente, deixavam as ferramentas de trabalho. Uns acenavam, outros com os polegares para cima, outros ainda mostrando a contagem nos dedos: 2 a 1, 3 a 0…

       Até a estrada identificava-se com o clube do Parque São Jorge. O asfalto negro com as marcações em branco, parecia uma enorme bandeira corintiana a servir de passarela aos representantes da fiel torcida.

       Quando entramos no Estado do Rio, as coisas mudaram. O cobrador do último pedágio foi logo dizendo:

       – “As madames vão ao Rio pra torcer, é? Sinto muito, mas quem vai faturá é o Fluminense.”

       Continuavam os ônibus passando e os trabalhadores reagiam de modo diferente do que ocorrera até então. Em vez de acenos e polegares para cima, a clássica união de polegar com indicador, formando a tradicional rodinha que significa  “tudo OK” para os americanos e, para nós, ofensa da pior espécie.

       Chegamos ao Rio de Janeiro, que parecia estar preparado para uma final de Copa do Mundo. No primeiro túnel, congestionamento completo. Cariocas provocando:

       – “Como é, paulista, veio conhecer a praia, é?”

       Quando me dei conta, já havia tomado partido e entrado na briga. Briga que envolveu, não dois clubes, mas dois poderosos Estados, inimigo figadais em termos esportivos: São Paulo e Rio de Janeiro.

       À noite, a Avenida Atlântica estava fervendo. Os paulistas, que costumam ir ao Rio no Carnaval para ver carioca sambar, fizeram samba preto e branco para carioca assistir. E eu vi esse carnaval na avenida. Corso, bateria, gente no pára-lama, na capota, batucada, bandeiras sacudidas violentamente: Timão,Timão, Timão…

       Vi bandeiras alvinegras serem arrancadas das mãos dos torcedores e queimadas no meio da rua; vi guardas chegando aos borbotões e descendo o cassetete em cima do povo. Vi cariocas apontando a praia e perguntando:

       – “Aquilo é mar, viu paulista? Você conhece?”

       Vi paulista tirando notas do bolso e respondendo:

       – “Isso aqui é dinheiro, viu carioca? Isso dá na minha terra. Garanto que você não conhece.”

       Vi bandeiras do Fluminense e do Corinthians penduradas nas sacadas dos apartamentos; vi homens e mulheres dormindo nas areias de Copacabana, embrulhados na bandeira do clube paulista. Vi uma jovem carioca gritando entre rouca e louca:

       – “Aqui não, corintiano. Vocês vão ter que curtir é bodas de ouro de derrotas.”

       Vi um torcedor triste, segurando uma enorme bandeira corintiana, frustrado porque os guardas não o deixaram colocá-la no Cristo Redentor. Vi carros de São Paulo fazendo barreira e impedindo a passagem de automóveis em direção à Barra da Tijuca, para guardarem o sono dos seus heróis, que estavam hospedados no Hotel Nacional.

       Um caminhão de leite encostou do nosso lado e um moreno troncudo, que funcionava de co-piloto, gritou:

       – “Comé, madames? Vieram torcer prô Coringão? Sô do Mengo. Tô com as madames e não abro.”

       O caminhão vai se distanciando e ainda vemos o cidadão de polegar para cima, o sorriso aberto e a palavra amiga:

       – “Tchau, madames. Tô com o Timão.”

       E, a plenos pulmões: Corinthians, Corinthians, Corinthians…

       Mas o negócio pegou fogo mesmo, na manhã de domingo, dia 5, na praia. Ipanema lotada, bandeiras do Flu amarradas nos mastros das redes de Voleibol. De repente, surge fincada na areia, uma bandeira de São Paulo. Bandeira das treze listas, estrelas douradas, bandeira do meu Estado. Um grupo de oito rapazes, usando estratégia de guerrilha, arrancou-a de lá. Tentaram queimá-la na areia, entre socos e pontapés. Quando tentei argumentar, imbuída do maior espírito estadualista do mundo, um copo de papelão repleto de areia passou voando pelo meu rosto. Tirei meu time de campo, porque aprendi que, de todas as maneiras de brigar, a melhor delas é fugir da briga.

       Chega um vendedor de refrescos e grita:

       – “Tá aqui, ó! Refresco de maracujá pra segurá coração de paulista. O Corinthians hoje vai virá cachimbo. Vai levá fumo e fogo no Maraca.”

       Vivas, palmas, auditório delirando. Resolvi desligar-me da situação. Naquela época, os jornaleiros circulavam pelas praias vendendo os jornais…  Chamei um deles e pedi O Globo.

       – “Madame, hoje aqui em Ipanema, só tem Jornal dos Esportes.”

       Explico: geralmente, o paulista tem a pele branca. No primeiro dia em que vai à praia, pela brancura da pele recebe do carioca um apelido: vela de macumba. No segundo dia fica vermelho e passa a ser chamado de Jornal dos Esportes, porque a cor desse jornal era rosa.

       Desisti do Globo por causa da piada e pedi o Pasquim.

       – “Já tá na mão, ó intelectuaaaaaaaal.”

       Deliciei-me com o Pasquim e aguardei a hora do jogo. Os radialistas desfraldaram clamorosamente a bandeira da famosa “máquina tricolor” que, a essa altura, havia se transformado em Fluzão. Quando entrevistado, Rivelino falou:

         – “Estão esperando há 22 anos o título e não é com o Fluminense que eles vão conseguir. Esse nós vamos faturar.”

         Talvez ele pudesse falar de outra forma. Achei um pouco deselegante a atitude daquele que, um dia, foi o querido e festejado Garoto do Parque São Jorge.

         Chegou a hora! O jogo foi uma verdadeira batalha, terminou empatado em 1 x 1, a decisão foi para os pênaltis e o Corinthians venceu por 4×1.

       Tobias, o goleiro, deu a vitória ao Timão. Herói.

       Terminado o jogo, a torcida corintiana estendeu uma grande faixa onde estava escrito: Chora, Rivelino.

       Alegria, integração, o sangue a correr nas veias era alvi-negro e a medalha pendurada no peito era a de São Jorge Guerreiro.

       Se Rivelino chorou, eu não sei. Mas a Fiel estava sorrindo, porque fez a diferença! Invadiu o Maracanã, durante o jogo incentivou os jogadores e a seguir, comemorou a vitória condignamente. Os Gaviões alçaram vôo e fizeram piruetas no céu da Cidade Maravilhosa.

       No retorno a São Paulo, a Rodovia Corintiana estava mais alvinegra do que nunca. O povo se deslocou das cidades para a beira da Via Dutra e saudava com bandeiras e gritos de alegria, os valorosos timoneiros que dirigiram com bravura e coragem o Timão.

       São Paulo parou à espera de seus valentes atletas e torcedores. O bravo Mosqueteiro transformou-se em valoroso Bandeirante, a buscar as riquezas e glórias de um título.

       Quanto a mim, adotei um novo clube.

       Passei a fazer parte da fiel torcida e me concedi um direito: em 1976 deixei de ser Aclúbida para me transformar em Corintiana, além de promover a torcida do clube, de Fiel a Fidelíssima.

       Tudo isso voltou à minha memória como um filme colorido, porque neste ano de 2023 o Rio de Janeiro se transformou em palco de outra batalha esportiva da qual participará, novamente, o Fluminense Futebol Clube.

E não é mesmo verdade, que a história se repete?

Só espero que, desta vez, o placar seja diferente.

                                                                    São Paulo, 04 de novembro de  2023.

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Laurete Godoy

Laurete Godoy  Escritora e pesquisadora. Autora de Brasileiros voadores – 300 anos pelos céus do mundo. 

 

 

Laurete Godoy é pesquisadora e escritora.

 

 

1 thought on “A história se repete… Por Laurete Godoy

  1. Grande e sabia decisão de uma pessoa com muito talento e muita inteligência , com grande sabedoria deixou de ser aclúbida , pera ser Corinthiana um dos maiores clubes de futebol do Brasil , sua crônica é muito feliz e muito sabia , parabéns por tanta sabedoria e pela escolha certa SALVE O CORINTHIANS CAMPEÃO DOS CAMPEÃOES

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