Lista telefônica. Por José Horta Manzano
Será que os mais jovens já viram uma lista telefônica?
Era um livro gordão, pesado, de capa mole, com a lista dos assinantes do serviço telefônico de uma determinada região.
De criança, eu gostava de ler lista telefônica. Passatempo bizarro, né? Podia passar horas folheando aquele calhamaço. Falando nisso, faz tempo que não vejo uma, será que ainda publicam? Hoje, com a praticidade de internet e google na palma da mão, não faz mesmo mais sentido distribuir um catálogo que, ao ser impresso, já está desatualizado.
Numa época em que não havia internet, a lista era ferramenta indispensável. Sem ela, como saber o número de telefone de alguém? Cada assinante de uma linha fixa (todas as linhas eram fixas) tinha direito a um exemplar. Todo ano, vinha um funcionário da companhia telefônica trazer a nova lista e recolher a antiga. Não sei por que razão recolhiam a anterior. Era obrigatório, não deixavam ninguém guardar o volume do ano anterior. Seria pra recuperarem uns centavos com a venda de papel velho?
Nas cidades populosas, havia duas listas de particulares: a de nomes e a de endereços. A primeira trazia os assinantes por ordem alfabética do sobrenome, começando com a família Aadyl e terminando com o clã Zwingli. A segunda lista era organizada por nome de rua, casa por casa, seguindo a ordem numérica. Nas cidades maiores, havia também as “páginas amarelas”, que listavam empresas, lojas e profissionais. Eram organizadas por atividade profissional.
Eu gostava daqueles livrões gordos, rechonchudos, de centenas de páginas impressas em papel-bíblia com letrinhas miúdas.
Eram tempos menos violentos, em que praticamente ninguém se opunha a ver seu nome, endereço e n° de telefone publicados, à vista de todos, à mercê de qualquer mal-intencionado. Figuravam na lista nossos parentes, professores e colegas, mas também políticos, jornalistas, personagens do rádio e da tevê, gente conhecida.
Hoje, isso deve parecer conto da carochinha. Vivemos atualmente num mundo em que figuras conhecidas são obrigadas a viver cercadas de seguranças. Até o cidadão comum, que não dispõe de milhões de seguidores em rede nenhuma, é obrigado a se proteger da criminalidade: mora em casa com aparência de jaula ou em prédio ornado de guarita, sistema de alarme e câmeras de vigilância. E, se puder, manda blindar o carro.
A violência permeia nossa existência. Me pergunto até que ponto o passar das décadas melhorou a vida de todos. Hoje viajamos mais rápido e conversamos (de longe) com montões de amigos. Por seu lado, ninguém mais sabe o que é uma pitanga; para andar a pé, tem de subir na esteira da academia porque na rua é perigoso; o celular tem mil utilidades, mas é melhor não sacá-lo na rua, porque periga ser levado por alguém.
Me pergunto se não se vivia melhor no tempo das listas telefônicas.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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