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Janelas, esquinas e telhados. Por Antonio Contente

…um dos motivos que me haviam feito abandonar S. Paulo, além da poluição, foi justamente a vasta falta que sentia de janelas; boas e amplas apenas o suficiente que para me remeter à possibilidade de estrelas…

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         Naquela época, anos 70 do século passado, eu tinha iniciado aquilo que chamava de Minha Marcha para o Oeste. Ou seja, mudara de São Paulo para Campinas mesmo continuando a trabalhar na Capital. Foi quando pintou a oportunidade de ir para mais longe ainda no ponto cardeal citado. E assim, em fins de 1975, encontrando o famoso cronista Lourenço Diaféria em um bar na frente ao prédio da “Folha de S. Paulo”, onde ambos trabalhávamos, desabei sobre ele:

         — Estão indo pro espaço nossas noites com a turma, no 308. Você estará livre de me dar carona em horas tardias.

         — Por que? O que houve?

         — Tô de mudança para Brasília.

         O autor de “Um Gato na Terra do Tamborim” arregalou os olhos:

         — Brasília? Você tá louco?

         — Ah – gemi – nem tanto. Pois cansei de ficar respirando a poluição que tá tomando conta de tudo por aqui.

         — Você – o escritor suspirou – pensa que pode, mas não pode viver sem ela. Em poucos meses estará de volta.

         — Duvido – sorri.

         Assumi a secretaria da sucursal da “Folha de S. Paulo” na ainda meio nova capital da República; e, a primeira grande descoberta, foi que consegui possuir uma janela. Não sei se já aconteceu isso com vocês: dormir, acordar e, de repente, antes mesmo de escovar os dentes, descobrir que ganhou uma janela. Pois é, um dos motivos que me haviam feito abandonar S. Paulo, além da poluição, foi justamente a vasta falta que sentia de janelas; boas e amplas apenas o suficiente que para me remeter à possibilidade de estrelas. E tais astros no Planalto Central, de repente, ficaram quase ao alcance de minhas mãos, ali, bem ali juntinho do meu aconchegante peitoril.

         Uns quatro meses depois, em função do trabalho, precisei ir a São Paulo e achei tudo deplorável. Saltei em Congonhas num dia cinzento, que depois ficou claro, que depois virou chuva, que depois fez calor, que depois ficou frio, que depois virou uma noite sem nenhuma possibilidade de estrelas. Pelo começo da madrugada, já cansado, entrei no “Gigetto” e encontrei Plínio Marcos, que tinha sido meu colega na “Ultima Hora”, e era, na ocasião, o dramaturgo que a então censura da ditadura militar mais amava, pois vivia guardando só pra ela quase tudo o que ele escrevia.

         — Puxa vida, cara – disse, sentando diante dele – a gente está morando em Brasília onde possui uma linda janela, vem para cá e…

         — É – ele corta – mas tem um porém… E, como você sabe, sempre tem um porém..

         — Tem?

         — Sim, pois acontece que em Brasília pode ter, como você diz, boas janelas; porém, lá não existe a mais remota ou longínqua esquina.

         — Ora – arregalei os olhos – como não tem esquinas? Você, por acaso, conhece a CLS 104? Sabe onde fica a CLS 104? Não sabe? Pois fique sabendo que lá tem esquinas.

         — Falácias… – Ele geme.

         — E tem mais: você já ouviu falar na CLS 109? Você vai me dizer que o “Beirute”, o mais famoso boteco de Brasília, não fica numa esquina?

         O grande dramaturgo olhou bem nos meus óculos. Para me fulminar:

         — Tá legal, Brasília pode ter esquinas, como você me garante. Mas não tem telhados. E você acha possível viver numa porra duma cidade que não possui telhados?

         Aceitei o vinho que acabavam de me servir, dei um gole, mudo, enquanto Plínio terminou:

         — Você vai voltar para São Paulo logo logo.

         — Duvido – ergui a taça – você não faz a menor ideia do que seja um homem apaixonado por sua janela.

         Dois dias depois, regressando à Capital da República, ao fincar os cotovelos no peitoril tomei um susto. Perguntei pra minha namorada que estava logo ali em papo com um canário-da-terra:

         — Onde é que está o meu telhado? Tenho esta bela janela, está certo. Mas e o meu telhado diante dela?

         Foi o começo de tudo pois, a partir daquela manhã, passei a procurar avidamente um telhado para a minha janela, e estava mesmo disposto a apelar para o que fosse necessário.

         No outro dia, no restaurante do Senado, o senador Petrônio Portela, membro da Casa que vivia em papo conosco no Comitê de Imprensa, chegou perto de mim e disse:

         — Estou te achando muito preocupado. Você acaso quer alguma coisa?

         — Sim, excelência – respondi – quero, o mais urgente, um telhado para a minha janela.

         — Você – ele sorriu – como o personagem do filme quer ser um violinista em cima dele?

         Mais adiante quando vieram me dizer que o então deputado Chico Amaral queria falar comigo, resolvi, de cara, que iria solicitar seus bons ofícios para levar de Campinas para Brasília um telhado. Mas o que ouvi do parlamentar é que ele, por ter sido eleito prefeito, me queria como seu assessor de Imprensa.

         Assim foi que, passadas algumas semanas, lá estava eu no quinto andar do prédio da Prefeitura campineira de onde, pelas janelas, podia avistar uma multidão de telhados. E lá fiquei, em virtude de certas circunstâncias, apenas um tempinho. Logo vieram me sondar se eu queria outro emprego, para ganhar mais.

         — No Porto de Santos? –- Exclamei – Acho que vou topar.

         — E vai gostar.

         — Não tenho dúvidas – respondi – pois os telhados santistas são belíssimos. E além deles, diante de minha janela terei também o mar; com aquele horizonte que tantos chamamentos nos faz…

         Por fim, tudo é assim mesmo. Nós estamos sempre em busca de telhados e janelas. Sendo que, por vezes, podemos até ganhar uma lasca de infinito.

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Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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