ser humano

O ser humano não deu certo. Por Adilson Roberto Gonçalves

ser humanoUma reflexão a partir das idiossincrasias que vivemos leva à conclusão de que somos um projeto que não deu certo. A natureza errou muito e continua errando, e talvez um dia consiga chegar a algo que seja uma espécie merecedora do rótulo de perfeita. Com certeza não é o ser humano.

Somos capazes de sermos tiranos de nós mesmos, criticando quando é a tirania da minoria que vinga. O termo vem da análise de votos que elegem um presidente nos Estados Unidos, por exemplo, em que o sistema por distritos e representantes por estado causa uma distorção. Um parêntese para o Brasil: aqui a tirania da minoria é refletida pelo quanto os partidos pequenos, com deputados com poucos votos, mandam no parlamento. Democracia, por ela lutamos, mas sabemos que não é o melhor a que poderíamos chegar, se realmente nossa espécie tivesse dado certo.

E brigamos. Até entre os indígenas. Vejamos o recorte: a eleição de Ailton Krenak foi emblemática, tanto para a Academia Brasileira de Letras, quanto para todos nós, em momento crítico em que os direitos indígenas estão sendo vilipendiados pelo Congresso Nacional. Porém, a disputa havida com Daniel Munduruku, com acusações de traição, foi paradoxal: de um lado, a louvável certeza de um indígena na Academia Brasileira de Letras; de outro, uma disputa entre lideranças dos povos originários que não se justifica. Já elogiei e escrevi sobre um e sou amigo e colega acadêmico de outro e não entendi a desavença, achando lamentável que tenha acontecido tal atrito.

E ainda assim nos achamos sociáveis. Redes sociais são exercício de ficção, na essência. Uma delas veio à baila recentemente por ter um público um tanto diferenciado em relação às demais. O Linkedin não é diferente, apenas um pouco mais respeitoso nos comentários, haja vista o pressuposto interesse profissional por trás das conexões. A foto padrão, de lado, com os braços cruzados em posição altiva e usando uma roupa melhorzinha, acaba por ser irônica. Pelas “propostas” que recebo de “posições” (emprego, no popular), vejo que o algoritmo dessa rede tem que aprender um pouco mais para tentar cativar o usuário. Delegamos ao computador a interrelação pessoal. Definitivamente não demos certo.

Juntando a beligerância com a computação algo a mais nos espanta. Por mais paradoxal e contraditória que seja, a expressão inteligência militar parece estar incorporando a parte artificial para ficar ainda mais lesiva aos interesses da paz e da segurança. Em particular, o Pentágono nos Estados Unidos está com planos de aliar seu arsenal à inteligência artificial. Os detalhes de operação de drones autônomos remetem ao filme de ficção Firefox (Raposa de fogo), de 1982, estrelado por Clint Eastwood no papel do comandante reformado que podia controlar as armas do avião do título apenas com o pensamento, desde que pensasse em russo. Ah, como é interessante ver a realidade se aproximando da ficção. Pena que o combate à fome não chega a esses orçamentos.

Somos insanos com tudo isso? A questão da chamada loucura de personagens históricos está sendo trazida para uma nova abordagem de distúrbios mentais em vários graus. Até a rainha Maria Louca é vista hoje como uma pessoa depressiva, talvez com causas genéticas por seus pais serem primos. Que bom que há quem estude seriamente a mescla de história com saúde mental, sem conseguirmos sobreviver a nós mesmos.

Enquanto não me extinguem, perguntam-me como estou me preparando para a velhice. Caminhadas diárias, check-ups periódicos e a esperança de conquistar uma ocupação mais serena, sem o estresse de demandas e deslocamentos.

Utopia, por certo.

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Perfil ambiental e político – Adilson Roberto Gonçalves –  pesquisador da  Universidade Estadual Paulista, Unesp, membro de várias instituições culturais do interior paulista. Mantém o Blog dos Três Parágrafos. Vive em Campinas.

 

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