Aumento dos casos de suicídio na pós-pandemia? Por Meraldo Zisman
Para refletir neste Setembro Amarelo: o suicídio é um fenômeno complexo que demanda uma análise aprofundada, evitando simplificações precipitadas ou generalizações, ao invés de ficar procurando compreender o contexto e as particularidades individuais.
Passada a pandemia, o mundo enfrenta uma série de questões cruciais que requerem atenção. Entre essas questões, destaca-se a saúde mental, cujos impactos psicológicos causados pela pandemia persistem, especialmente entre aqueles que sofreram perdas, dificuldades econômicas ou o isolamento social imposto pelas autoridades. A revolução digital, acelerada pelo contexto pandêmico, molda novas áreas vitais como o teletrabalho, a educação online e a telemedicina.
As desigualdades socioeconômicas, agravadas durante o período crítico, representam um desafio constante, que exige esforços permanentes na busca pela recuperação econômica e pela promoção da equidade social. Além disso, a confiança nas instituições de saúde pública e nos governos pode ter sido abalada, tornando imperativa a restauração dessa confiança e da correta comunicação em prol de um futuro mais resiliente e saudável.
Começando pelo fenômeno do luto, é importante ressaltar que ele não pode ser previamente definido como um processo, uma perda ou mesmo uma dor, mas sim a experiência vivida de forma única e singular por cada indivíduo, após o falecimento de alguém com quem compartilhava um mundo, deixando assim esse mundo carente de significado. Em certo sentido, esse desaparecimento não envolve apenas alguém significativo, mas também a própria transformação do indivíduo, pois ele não será a mesma pessoa que era quando participava daquela relação, relação essa que não pode ser substituída por nenhuma outra. É o desaparecimento do próprio mundo, já que aquele mundo compartilhado simplesmente deixa de existir. Para esclarecer ainda mais, as emergências são situações inesperadas e anormais, causadas por desastres naturais ou outros fatores, como uma pandemia ou surto ou mesmo catástrofes geográficas, além da perda de um ser querido.
Elas resultam em diversos tipos de prejuízo para a sociedade, incluindo danos que afetam a capacidade de resposta das autoridades públicas. Quando essas autoridades não conseguem responder adequadamente, as emergências podem se tornar desastres ainda mais graves, por si só. O problema é que, frequentemente, os governos e órgãos públicos não conseguem implementar ações que reduzam não apenas os impactos imediatos de uma emergência sanitária, mas também os impactos subsequentes. De forma triste e cruel, as autoridades muitas vezes simplesmente ignoram essas ações.
Num contexto mais amplo, o Brasil tem histórico de falta de preparação para emergências ou desastres e frequentemente não lida adequadamente com suas consequências e impactos. Geralmente, as ações são tomadas apenas durante o desastre, negligenciando-se medidas preventivas antes e cuidados posteriores. Um exemplo disso é a falta de estudos e assistência a pacientes com Covid prolongada e aos enlutados da pandemia. Esses problemas de saúde pública serão enfrentados pelo Brasil nos próximos anos, incluindo o aumento dos fatores de risco para o suicídio e o crescimento nos casos de ansiedade e depressão.
No entanto, teremos políticas públicas eficazes para lidar com essas questões? Estamos dispostos a refletir sobre nossas próprias angústias e a cobrar das autoridades o que é necessário? O que tenho observado é que, nos primeiros anos da pandemia, o luto foi vivenciado por muitos em situações extremas, devendo sempre ser compreendido no contexto pandêmico. O que era antes considerado comum se tornou estranho, e o que era estranho se tornou comum no chamado “novo normal”.
Não basta analisar o suicídio superficialmente, é essencial considerar o contexto e a singularidade de cada vida, bem como os fatores que levam a pessoa a considerar meios para terminar a própria vida.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.
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