Tá todo mundo louco. E não é ôba. Por Marli Gonçalves
Meses já passaram desde que começamos a respirar ao menos um pouco mais aliviados após a maldita pandemia, embora sobressaltos aqui e ali sejam praticamente impossíveis de serem contidos. Mas agora as portas estão sendo abertas ou reabertas e vêm liberando umas coisinhas bem esquisitas. Vejo e escuto relatos chocantes, bem mais até do que estes.
Uma moça tenta entregar um panfleto do montinho que tem em mãos. São de um prédio ali próximo, em construção, no Bairro de Pinheiros, onde do dia para a noite brotam cada vez mais empreendimentos imobiliários, entre os muitos que vêm pondo ao chão a memória de toda a cidade de São Paulo. Uma mulher passa, não aceita o panfleto ofertado, o que lhe é de direito, mas, não contente, passa a agredir com fúria a divulgadora com toda sorte de palavrões, acusando-a aos berros de ser ela – a coitada – a culpada pela deterioração do bairro inteiro. Obrigando, com tal fúria, até a haver intervenção dos passantes para contê-la e assim poder amparar a desnorteada agredida que chora copiosamente.
No ônibus preso ao enorme engarrafamento causado por obras mal programadas pelos poderes públicos em uma das maiores vias de São Paulo, Avenida Santo Amaro, uma idosa entra e dali mesmo da porta começa a culpar e xingar o motorista, o cobrador e quem mais pudesse pelo atraso da chegada do coletivo ao ponto, como se aquilo fosse uma afronta especial a ela, como se fosse a única afetada, uma privilegiada que não deveria passar por aquilo, soltando cobras e lagartos mesmo diante dos outros aflitos passageiros, muitos trabalhadores que chegam a levar até de 3 a 4 horas para se deslocar de uma região distante onde moram até o trabalho, ida e volta chacoalhando, parando, pulando de condução em condução, também com nervos à flor da pele.
São bombas ambulantes que podem se encontrar e explodir, barris de pólvora prestes a entrar em combustão, e não há esquadrão de explosivos – no caso, de apoio à saúde mental, bombas sociais, psicológicas, psiquiátricas – atento o bastante ou capaz de desarmá-las a tempo de evitar os horrores de violência, os rompantes mortais, desinteligências que assistimos diariamente, além do temor da violência criminosa, da fuga diária de tentativas de assédios e golpes sejam estes digitais, presenciais, amorosos, religiosos.
Não que antes fosse melhor, mas o que assistimos agora deveria ligar o alarme, entender o que pode ter sido causado pela forma, plantação de ódio e mentiras, a polarização política que ainda se mantêm inalterada e em níveis escandalosos. O calor. O frio. O medo, o desalento. Pessoas falando sozinhas discursando para seres imaginários. Uns achando que são melhores do que outros, muitos reagindo às conquistas das minorias. Individualidade, falta de gentileza, de empatia, de convívio e desrespeito ao coletivo e, ao mesmo tempo, uma apatia generalizada, uma multidão de cabeças abaixadas. Um perigo sem dimensões levando a situações inimagináveis e à ascensão de perigosos lideres extremistas, este sim, os atentos a ganhar poder na manipulação da sociedade doente.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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Querida Marli,
Mais um brilhante artigo, para nos situar ainda mais, no triste cotidiano brasileiro! Descontrole de uns! Fúria desenfreada por coisas banais de outro! Choques térmicos, no e AP sair dos coletivos! INSANIDADE! Sobreviveremos.
Um beijinho, 🌷
Maria Helena
obrigada pelo carinho e atenção!