Tribunal Penal Internacional

Tribunal Penal Internacional. Por José Horta Manzano

… Ao anunciar que, em caso de visita do russo, passará por cima da autoridade do TPI (Tribunal Penal Internacional), Luiz Inácio deixa claro que considera seu juízo melhor que o do próprio Tribunal. Os juízes da Haia (Holanda) lançaram mandado de prisão contra um indivíduo, mas Lulinha paz e amor resolveu estufar o peito…

Tribunal Penal Internacional

Em 7 de junho de 2002, o Diário Oficial da União publicou o Decreto Legislativo n°112, pelo qual o Congresso Nacional ratificou a adesão do Brasil ao termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. A partir de então, o Brasil é Estado Parte do Tribunal.

O Artigo 86 do Estatuto reza:

“Os Estados Partes deverão, em conformidade com o disposto no presente Estatuto, cooperar plenamente com o Tribunal no inquérito e no procedimento contra crimes da competência deste.”

O objetivo é evidente: um tratado desse teor só pode funcionar se todos os Estados Partes se comprometerem a cumpri-lo. Do contrário, não faria sentido. O Estatuto de Roma congrega hoje 123 Estados Partes. Alguns países preferiram não se comprometer – entre eles, alguns importantes: os EUA, a China, a Rússia.

Em março passado, o Tribunal Penal Internacional emitiu ordem de prisão contra o cidadão Vladímir Valadímirovitch Putin, presidente da Federação Russa. É coisa séria. Todos os Estados que assinaram o Estatuto têm o compromisso de cumprir a ordem. Não é à toa que Putin declinou o convite para comparecer à reunião do Brics na África do Sul. Foi avisado que, caso desembarcasse no território sul-africano, poderia acabar preso.

 Frase 1

”O que eu posso dizer é que, se eu sou o presidente do Brasil e ele for para o Brasil, não há por que ele ser preso”

Foi o que Lula da Silva declarou no sábado, todo sorrisos, em entrevista a um canal indiano de informação, quando lhe perguntaram se Putin será preso se for ao Rio de Janeiro para a reunião 2024 do G20. E não parou por aí. Lula garantiu que vai mesmo convidar Putin para o encontro. E completou seu pensamento:

Frase 2

“Ninguém vai desrespeitar o Brasil, porque tentar prender ele no Brasil é desrespeitar o Brasil”

Análise da Frase 1

O discurso suscita alguma reflexão. Ao pronunciar a Frase 1, Luiz Inácio mostra que acredita ser dono do país. Ele se faz de bobo, como se não conhecesse as atribuições do presidente da República. Vivemos numa democracia em que cada um dos Poderes é autônomo. “Mandar prender” não é assunto da quitanda dele. E ele sabe disso perfeitamente.

Ao se pronunciar assim, Lula deixa em ouvidos estrangeiros a convicção de que o Brasil vive sob um regime de republiqueta de bananas, em que o líder máximo detém poder absoluto sobre todas as instituições. É ele que “manda prender” ou “manda soltar”.

Ao agir dessa maneira, Luiz Inácio faz um desfavor a si mesmo e ao país inteiro. Está agindo como um certo capitão que o antecedeu, aquele que passou quatro anos tentando escantear as instituições. Lula entra de sola em paróquia alheia, o que nunca é muito bom.

Ao anunciar que, em caso de visita do russo, passará por cima da autoridade do TPI (Tribunal Penal Internacional), Luiz Inácio deixa claro que considera seu juízo melhor que o do próprio Tribunal. Os juízes da Haia (Holanda) lançaram mandado de prisão contra um indivíduo, mas Lulinha paz e amor resolveu estufar o peito e dar guarida ao procurado pela justiça.

Com essa ideia escrachada – um triste repeteco do caso Cesare Battisti –, Lula informa que o Brasil continua sendo um país acolhedor para fugitivos da justiça, mas pouco confiável no geral, visto não respeita nem a própria assinatura em tratados internacionais.

Análise da Frase 2

“Tentar prender ele no Brasil é desrespeitar o Brasil”. Como é que é? A princípio, achei que Lula quisesse dizer que o Brasil deixaria de ser um país de respeito se prendesse o ditador russo. Achei até que a ideia trazia um propósito patriótico, de um presidente preocupado com a imagem do país.

Só que não era isso. Ao reler, me dei conta de que Luiz Inácio não parece ter ideia do que seja um mandado de prisão internacional. As palavras que ele pronunciou mostram que ele teme que “alguém” (uzamericânu?) vá prender Putin em território brasileiro, o que seria “desrespeitar o Brasil”.

É urgente que alguém avise ao presidente que o temor dele é infundado. Nenhum comando armado até os dentes vai singrar as águas da Baía de Guanabara no mormaço noturno, todos de nadadeira e veste negra de neoprene, para sequestrar o ditador russo e despachá-lo para a Holanda. Não é assim que costuma funcionar.

Conclusão

Por um lado, Lula acredita que “alguém” pode abduzir o visitante e fazê-lo desembarcar diante dos magistrados do TPI. Por outro, o mesmo Lula garante que o ditador russo pode vir tranquilo, que nada lhe acontecerá.

Ora, se a ameaça de sequestro vem de fora, Lula não tem como garantir a integridade física do visitante.

Enquanto isso, Putin, que não é ingênuo e sabe os perigos que corre, não irá rever os encantos de nossa terra tropical. E será melhor assim.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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