Qual o mais lindo beijo? Por Antonio Contente
… fiquei a especular qual teria sido o mais belo, de todos os tempos, beijo trocado entre um homem e uma mulher…
Sempre existe algo que as pessoas consideram o mais lindo do mundo. Pode ser um lugar, uma obra de arte, um pássaro, uma especialíssima atriz ou ator e por ai vai. Dia desses, a usufruir um daqueles momentos que os escritores antigos capitulavam como “de ócio”, fiquei a especular qual teria sido o mais belo, de todos os tempos, beijo trocado entre um homem e uma mulher. Imediatamente me vi diante da perspectiva de formidável navegação. Pois passaram a emergir em minha cabeça espantosos encontros de lábios que qualquer pessoa afeita ao belo e ao bom poderia considerar como absolutamente inigualáveis.
Foquei, num primeiro momento, o cinema. E confesso que nem tive grandes dificuldades em enfileirar uma série de beijos que poderiam concorrer ao título de o mais lindo do mundo. Claro que não vou enumerá-los todos aqui, porém um dos primeiros que veio à minha lembrança foi colocado à curtição dos cinéfilos no esplêndido “A Um Passo da Eternidade”. A fita tem várias coisas memoráveis como, por exemplo, as interpretações dos astros, tanto que Frank Sinatra levou o Oscar de coadjuvante, naquele ano (1953). Mas marcante mesmo, para mim, foi a fabulosa cena em que Burt Lancaster, deitado sobre o quebrar de ondas numa praia, pespegou tremendo beijo em Deborah Kerr também esparramada sobre as espumas. Algo capaz de provocar maremotos e tsunamis. Foi o mais lindo do mundo, no cinema? Talvez sim, talvez não. Pois temos outro também famoso e capaz de provocar tremores, trocado entre Rhett Butler (Clark Gable) e Scarlett O’Hara (Vivien Leigh) em …”E O Vento Levou”… A cena, magistralmente fotografada, mostra os dois sobre rústica ponte, num ambiente de fazenda, com o céu vermelho ao fundo.
Mas provavelmente, para muitos, o mais lindo beijo do mundo pode ter sido um acontecido em 1945 no asfalto de Times Square, Nova York. Os moradores da cidade festejavam, então, o fim da Primeira Guerra Mundial. E o fotógrafo Alfred Eisenstaedt apertou o botão da sua máquina no instante em que um rapaz com roupa de marinheiro atraca pela cintura uma jovem vestida de enfermeira para um grudar de boca com boca que tem sido publicado ao longo dos anos, quase sem cessar, nos maiores (e também menores) jornais e revistas da terra. Um pouco mais adiante, 1950, ocorreu aquele que é conhecido hoje como “o beijo do Hotel de Ville”. Quem o eternizou em filme foi o fotógrafo Robert Doisneau, em Paris. Mostra, como no citado acima, dois jovens num amasso legal. Só que, no caso, alguns consideram que não poderia ser o beijo mais belo do mundo, por ter sido posado. Bobagem, os do cinema também foram. Finalmente, o estreladíssimo Cartier-Bresson tinha que estar nesta lista. E aparece com um carinhoso gesto de juntar de lábios entre dois adolescentes, captado numa mesa de bar de calçada na capital francesa. O detalhe é que, fazendo contraponto com o sacralizado gesto, bem junto aos pés dos jovens, no chão, dormita um simpaticíssimo cachorro. Dele ou dela? Nunca ninguém soube…
Bom, amigos, é lícito afirmar que nessa não longa lista de beijos que poderiam embutir o título de o mais lindo do mundo não está aquele que eu escolheria como tal. Para mim este romântico, quase diria sagrado, gesto, encontrei no conto “Uns Braços”, de Machado de Assis. Nele é narrada a história do jovem (15 anos) Inácio, que o pai, pobre, coloca como ajudante do solicitador Borges, um burocrata chatíssimo, que, como se dizia à época, mourejava no comércio do Rio de Janeiro do século XIX. O menino que por nela morar participava das refeições na casa, observava diariamente à mesa e se apaixona, a partir da visão dos seus lindos braços, por dona Severina, a esposa do patrão. Madura a beirar os trinta anos, ela acaba por notar o que o adolescente sentia. Até que, numa tarde de sábado em que o solicitador marido se encontrava ausente, vai, vagarosamente, ao quarto em que Inácio, numa rede, dormia. Primeiro, permanece a olhá-lo por alguns instantes. Depois, curvando-se com cuidado, pespega-lhe um morno, suave, infinito beijo na boca. Como o menino entreabrisse os olhos, ela imediatamente sai. Plantando definitivamente na cabeça do rapazola a dúvida se aquilo tinha realmente ocorrido. Mandado embora pelo solicitador dias depois (mas não por causa do, como alguns escreviam, ósculo), ao longo da vida Inácio sempre recordava o episodio, tomado pela incerteza. Para mim, foi o beijo mais lindo do mundo. Por ter sido ternamente real. Porém com o precioso e indispensável toque do sonho…
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ANTONIO CONTENTE –
Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
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