A dinastia Bongo. Por José Horta Manzano
… O ditador que Lula visitou era o primeiro da dinastia. Chamava-se Omar Bongo. Tinha assumido o poder em 1967, seu caminho cruzou o de Lula em 2004, e faleceu em 2009, depois de 42 anos no poder. Sempre houve eleições para renovar seu mandato…
Em 2004, no segundo ano de seu primeiro mandato, Lula da Silva viajou muito. Estava a-do-ran-do andar de avião presidencial, ser recebido com honras de chefe de Estado, visitar palácios e comer do bom e do melhor. Cá entre nós: quem não adoraria?
Deslumbrado, falava pelos cotovelos, dava suas impressões a torto e a direito e revelava seus desejos mais recônditos ao primeiro jornalista que aparecesse. Um belo dia, indagado sobre sua viagem ao Gabão (país da África equatorial, vizinho da Guiné, de Camarões e do Congo-Kinshasa) soltou a bravata: “Fui ao Gabão aprender como se fica 37 anos no poder”. (*)
As palavras sempre têm um fundo de verdade (“onde tem fumaça, tem fogo”). Por trás da fanfarronada, devia estar um desejo oculto de repetir, no Brasil, a façanha de Omar Bongo, o colega gabonês. Para sua própria sorte (e nossa também), Luiz Inácio não aprendeu a lição do ditador.
Recentemente tivemos na Presidência um indivíduo que, envolto na névoa das mentiras criadas por ele mesmo, tentou subverter a ordem e enveredar pelo caminho pedregoso e incerto da autocracia. Não conseguiu, levou uma rasteira e quebrou a cara. Afinal, o Brasil não precisa de autocrata e, ainda que precisasse, o escolhido jamais seria esse estropício falastrão.
Mas voltemos ao Gabão. O ditador que Lula visitou era o primeiro da dinastia. Chamava-se Omar Bongo. Tinha assumido o poder em 1967, seu caminho cruzou o de Lula em 2004, e faleceu em 2009, depois de 42 anos no poder. Sempre houve eleições para renovar seu mandato. Os resultados eram soviéticos: Bongo venceu sempre com pelo menos 90% dos votos, coisa do outro mundo.
Em 2009, morto e enterrado o patriarca, um dos filhos se apresentou como candidato a suceder ao pai. Herdeiro era o que não faltava: Omar Bongo tinha 52 filhos reconhecidos oficialmente! Com eleições fraudulentas e um sistema viciado, o filho Ali Bongo ganhou com folga. E o sistema continuou tranquilo nos mesmos moldes de antes. Uma dinastia estava instaurada.
Só que tudo tem um fim. Quarta-feira passada, os programas de rádio e televisão do Gabão foram subitamente interrompidos. Entrou no ar o anúncio solene feito por uma junta militar: “Ali Bongo está deposto. O agora ex-presidente está em prisão domiciliar, recebendo bons tratos, mas definitivamente afastado do poder”. A presidência do pai somada à do filho dá um total de 56 anos – mais que o longo reinado de D. Pedro II.
O Gabão é um dos países mais ricos da África em PIB por habitante. Extrai petróleo, gás natural, manganês, ferro, urânio. Os combustíveis fósseis representam oitenta porcento das exportações. Um nível tão elevado de PIB deveria indicar um país de população rica, bem de vida e próspera. No entanto, não é exatamente assim. Os habitantes são muito pobres porque, durante décadas, essa dinheirama vem sendo desviada pela corrupção.
As elites do país, irrigadas por esse dinheiro fácil, apoiaram e sustentaram a dinastia dos Bongo. Desconheço o estopim da revolta militar que depôs o presidente, acredito que tenha havido dissensões no interior da corporação.
Os membros da extensa família do ditador podem até estar sendo bem tratados, mas não vão escapar à justiça francesa. De fato, a riqueza da família, só contando o patrimônio em território francês, é calculada em 85 milhões de euros (420 milhões de reais). São 33 propriedades de luxo na região parisiense, mais 11 na Côte d’Azur.
O MP francês acredita que esse patrimônio tenha sido adquirido fraudulentamente, fruto de desvio de dinheiro público e de corrupção das sociedades petroleiras. Nove dos 52 filhos do patriarca da dinastia já são réus na justiça francesa por esses crimes. É mais que provável que os imóveis serão confiscados e devolvidos ao Gabão no dia em que o país virar democracia.
O mundo está ficando pequeno e, de certa forma, mais transparente. Se, anos atrás, era viável esconder algum objeto ou algum malfeito, hoje vai ficando mais difícil. Os métodos modernos de vigiar a população têm efeito dissuasivo.
Se não dá pra esconder nem uns dólares na cueca, como é que alguém haveria de esconder dezenas de apartamentos em Paris ou… joias de ouro cravejadas de diamantes?
(*) Em 2016 escrevi um artigo sobre essa fala do Lula. Interessados devem clicar aqui.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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