Mais uma vez, cai o pano. Por Antonio Contente
Cai o pano… Ali, diante do meu nariz, estava, simplesmente, a outrora marcante entrada do esplêndido Cine Ipiranga. Que se não foi o mais famoso da cidade, certamente aparecia entre os três principais. Claro está que recordei as circunstâncias de ter ele falecido há tempos…
Não há dúvida nenhuma: sempre que vou a São Paulo, Capital, sou atropelado por fundas nostalgias. Vejam que, dia desses, vinha pela calçada da Ipiranga, no rumo da avenida São João, quando, de repente, estanquei. É que ali, diante do meu nariz, estava, simplesmente, a outrora marcante entrada do esplêndido Cine Ipiranga. Que se não foi o mais famoso da cidade, certamente aparecia entre os três principais. Claro está que recordei as circunstâncias de ter ele falecido há tempos, pois até escrevi, à época, crônica a respeito do lutuoso acontecimento. E na ora narrada manhã da minha caminhada paulistana, queria seguir em frente, mas não conseguia andar. Permanecia grudado ao chão pelo que me cercava, no entorno.
Lembrei então do dia em que li nos jornais que o lendário Cine Ipiranga ia fechar. Claro está que essa história da “a ultima sessão de cinema”, mesmo antes do famoso filme, abria caminho certo para as nostalgias; e, no caso da famosa casa, não poderia ser diferente. Isso pela simples e boa razão que a sala era, praticamente, o último dos símbolos de uma época que, para este locutor que vos fala, teve seu auge entre 1957 e 1959 do século passado; tempo em que fui de estudante da Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero.
O que quero dizer é que o espaço que vai da Ipiranga à Praça Júlio Mesquita concentrava, na época, alguns pequenos símbolos do que de mais significativo o centro de São Paulo possuía, pelo menos para o observador atento. Vou deixar para falar do cinema pôr último, e, imediatamente, atravesso a rua para, na calçada oposta, dobrar a São João para chegar ao “Brahma”, restaurante que não sei se ainda existe, mas que foi um dos lugares mais charmosos para quem frequentava as noites na Capital.Com música ao vivo na base de piano e violino. De intérpretes, nada menos do que Cauby Peixoto ou Sílvio Caldas. Vez por outra Nélson Gonçalves também soltava por lá seus gorjeios.
Novamente retornando à calçada da avenida Ipiranga, era bem ao lado do cinema morto que se tinha uma das lanchonetes mais fantásticas que já conheci: a “Salada Paulista”. Basta dizer que numa época em que os “McDonald’s” ainda não existiam, suponho, nem nos Estados Unidos, a citada casa já oferecia uma espécie de hamburger, preferivelmente “no prato”, que foi não só o melhor que comi em toda a minha já não curta vida, como também o mais bem servido. Pois vinha com as tradicionais batatas fritas ou a dita cuja cozida em salada untada com cinematográfica maionese mais branca do que as neves do Kilimanjaro. Com detalhe absolutamente curioso: a casa vivia cheia, com a freguesia em pé, nada de banquetas ou mesas e cadeiras. Contavam que aquela movimentação toda deixou seus donos, lusitanos, milionários.
— Mas enriqueceram mesmo? – Indaguei certa vez a um garçon do “Jeca”.
— Se enriqueceram? O conde Matarazzo, perto deles, é mendigo.
Pois bem, no pequeno trecho em que o cine deu o seu último suspiro, nem vou falar do seu, digamos, também já sepultado colega Metro. Porém sim do “Mocambo”, na rua ao lado, um marco na história do centro pôr ter sido o primeiro local onde se podia tomar café expresso de máquina, então uma geringonça enorme, importada da Itália. Havia fila na porta, fila de quase dobrar quarteirão. A adubar ponto de encontro da rapaziada.
Sim, sim, disse que deixaria pro fim o falecido cinema, porque ele representou todo um capítulo da história daquele trecho do centro de São Paulo. Tratava-se de uma sala ampla na qual, no tempo a que me refiro, só se entrava de paletó e gravata. O hall era enorme, com chão de pedras de mármore e poltronas de couro escandalosamente vermelho. Havia um mezanino e, no palco diante da tela, antes de algumas sessões, se exibia um conjunto musical. Pois foi numa dessas ocasiões que vivi o momento mais marcante de antigo frequentador da casa. Eu estava na platéia quando uma cantora, acompanhada por pianista, começou a se exibir. A meu lado encontrava-se o jornalista Esdras Passaes, o mais brilhante repórter do seu tempo, prematuramente falecido antes de completar quarenta anos. Na época ele trabalhava no “Shopping News”, jornal pertencente ao pai do também já falecido empresário Caio Alves de Lima, conosco na ocasião. E foi a ele que Esdras perguntou se conhecia o escritor inglês Samuel Taylor Coleridge. Ante o não, o repórter apontou para o palco, onde a mulher se esgoelava:
— Pois foi ele, meu. Ao lembrar que os cisnes cantam antes de morrer, teria observado que certas pessoas bem poderiam morrer antes de cantar…
Bons tempos, amigos, bons tempos.
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ANTONIO CONTENTE –
Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
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Sou também campineiro por adoção como você, mas paulistano de nascimento, imagine o que sinto vendo não só o antigo cine Ipiranga., mas tudo o que (não) sobrou naquela hoje infinita cracolândia, também conhecida como Centro de São Paulo…
Meu amigo Antonio Contente, que saudades das esquinas da Ipiranga com a São João em todos os ângulos, do Brahma, onde fui algumas vezes quando trabalhava na Folha. Acredito que conheci o Salada Paulista, pois andava por ali e trabalhei, também, no Shopping News… Mas a memória anda me abandonando aos poucos.
Mais um delicioso texto para ler. Obrigada Marli e Antonio. Beijos
Antonio, o Brahma ainda existe, apesar da degradação do centro de São Paulo. O Brahma agora é proprietário do Bar Léo, da região da Santa Ifigênia, Este também é um point inesquecível, com seu schanaps de primeira linha. Primoroso texto!
Excelente recordação. A lanchonete “A Salada Paulista” que frequentei quase todos os dias, pois trabalhava na Xavier de Toledo, era um ponto obrigatório para aqueles que tinham pressa , mas queriam uma comida de qualidade. Além da torre de salada de batatas com um a fatia de tomate no topo e duas deliciosas salsichas formando um semicírculo, havia um outro prato também muito ótimo, que era um filé a milanesa, cujo o nome do prato, os meus 81 anos não me deixam lembrar. Seria Filé a Imperador ? Obrigado Sr. Antonio, por este retorno tão agradável ao passado. 1 abraço
Qto saudosismo,especialmente para os paulistanos que relembram esses lugares que ficaram indeléveis em suas mentes