É desse mato que deve sair coelho? Por Aylê-Salassié Quintão
… Começa-se, contraditoriamente, com a promessa da volta do Estado empresarial, indutor da iniciativa privada, para a realização de investimentos comuns, modelo que, na China, é liderado por um grupo de empreendedores privados das chamadas “empresas campeãs”.
Desafios, projetos e sonhos fazem parte da cesta de promessas que o governo está oferecendo para manter estável a governabilidade durante o atual mandado (2003-2027). São gastos da ordem de 1,7 trilhão de reais para os próximos quatro anos. Mas não se fala explicitamente em investimentos – novas obras e iniciativas – já que essa terceira versão petista do PAC- Programa de Ação Concentrada – anunciada, teatralmente, no Rio de Janeiro, começa com retomada das 8.600 obras paralisadas há vários anos, segundo o TCU, embora, a maioria, já tenham sido inauguradas no passado.
O total que dá margem a essas projeções de gastos públicos, corresponde à soma de R$ 370 bilhões do Orçamento da União; mais R$ 343 bilhões dos cofres das empresas estatais; mais R$ 362 bilhões de linhas de financiamentos bancários; e, ainda, R$ 612 bilhões da iniciativa empresarial com concessões com o governo.
Começa-se, contraditoriamente, com a promessa da volta do Estado empresarial, indutor da iniciativa privada, para a realização de investimentos comuns, modelo que, na China, é liderado por um grupo de empreendedores privados das chamadas “empresas campeãs”. No Brasil, o modelo é forjado no espaço do Programa de Aceleração do Crescimento. Tudo acompanhado da promessa de que neste governo “não se vai tolerar a má gestão” e “nem a austeridade fiscal”. Mas também não vai se embarcar na premissa de que o Governo é incompetente. A afirmação tem sentido flexível porque os executivos públicos são, em geral, políticos, cujos cargos pertencem aos partidos, e não a gestores propriamente habilitados nas universidades, na administração pública ou na iniciativa privada.
A velha tecnocracia perdeu seu espaço para as corporações de classe e seus segmentos. O PAC será executado pela Casa Civil, em cuja chefia está Rui Costa, economista, porém mais político e sindicalista, com o encargo de coordenar as políticas públicas no País. Essa bandeira não vai para o Ministério do Planejamento e Orçamento, chefiado pela senadora Simone Tebet, uma potencial concorrente, o que sinaliza para um acompanhamento técnico relativamente frágil inclusive do Tribunal de Contas. Os ministérios serão apêndices.
Falar em projetos de investimento é sonhar em voz alta. Como nos PACS anteriores, a chave dos programas do Governo petista voltará a ser o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – a Petrobras precisa ser rearrumada -, agregado , sim, de uma nova alavancagem : a Amazônia. A região é vista como a plataforma para captação de recursos internacionais. Quem cobrar do Brasil a defesa do bioma amazônico para proteger o planeta precisa pagar por isso. E não é pouco. Biden ofereceu R$ 50 milhões e teve de aumentar para R$ 2 bilhões.
A tese é antiga, mas a instabilidade política brasileira nunca conseguiu assegurar um fluxo estável de recursos estrangeiros – nem nacionais – para dar sustentação da questão ambiental, muito menos para à região amazônica, hoje um dos principais objetos de desejo dos defensores da proteção da Terra contra as mudanças climáticas, agora entendida como prioritária para a sobrevivência da humanidade, ou do modelo de mundo desenvolvido.
Pelo que se vê, o segredo dos investimentos brasileiros estará na administração do Fundo Nacional das Mudanças Climáticas, criado em 2009 para financiar projetos destinados a minimizar as emissões de gases de efeito estufa – que elevam a temperatura na terra – e a adaptação das empresas às novas regras ambientais. O Fundo vai receber neste mês de agosto um aporte (doações estrangeiras) da ordem de R$ 680 milhões com essa finalidade. Ajudará a dar um impulso da ordem de 21 % nos financiamentos do BNDES acima dos investimentos feitos em igual período no ano passado.
O agente financeiro dos recursos do Fundo do Clima será o BNDES, que reúne hoje, sim, uma equipe de economistas experientes, liderados por Aloísio Mercadante, um dos fundadores e coordenadores das campanhas do partido do Governo. Mercadante é doutor em economia, já chefiou três diferentes ministérios, e foi líder no Senado Federal e ocupou vários cargos de consultor econômico em diferentes instâncias públicas e privadas.
A Amazônia será, portanto, a maior beneficiada pelo Fundo. Segundo o presidente do Banco, a carteira de projetos da instituição vai ajudar a alavancar o novo PAC. Já existem 129 projetos com potencial para mobilizar R$ 247 bilhões em recursos públicos e privados, beneficiando 59 nas áreas ambientais; e outros 34 nas áreas de logística em transportes, inclusive a inovação tecnológica, essa mesmo que desemprega milhares de trabalhadores da base, e que vai se responsabilizar por ocupar, na Bahia, com chineses, o lugar da fabricante norte-americana Ford, que chega com a proposta de fabricação de carros elétricos. Dez dos projetos são das áreas social, educação e saúde. Enfim, admitiu Mercadante, o Fundo do Clima como o motor da nova economia brasileira. Serão emitidos títulos, com o nome de “green bonds”, cujos recursos destinados exclusivamente a projetos sustentáveis, não importa de que área econômica.
Com a realização da Conferência do Clima (COP 30) em Belém, no ano de 2025, o governo brasileiro terá tempo e álibi para sair por aí vendendo “título verdes”, créditos de absorção de carbono pelo floresta amazônica, comercializados em todo o mundo, para financiar projetos voltados para a proteção do bioma tropical amazônico.
Governadores do Norte e Nordeste estão agitados. Os do Sul e do Sudeste também vem propondo formar uma aliança entre si, iniciativa que parece pouco simpática, ao restabelecer a ideia da tese, do “nós e eles” usada, em campanha, pelo atual Presidente. Inaugura-se uma trilha delicada.
Na reunião do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), ocorrida há dez dias, em Belém, nem todos os presidentes da República presentes concordaram em adotar uma política ambiental comum, embora fosse anunciado que o BNDES destinaria recursos para isso.
As reservas de gás da Bolívia estão em áreas da Amazônia. o Brasil explora combustíveis fósseis na região. No mesmo caso estão a Venezuela e a Guina Francesa. Daí que não se conseguiu no documento final a definição, via PAC, de uma política comum para a região. Vamos ver que rumos essas coisas vão tomar.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018
E autor de Lanternas Flutuantes: