Quando Hollywood parou. Por Wladimir Weltman
No dia 1° de janeiro de 2015 eu oficialmente fui desligado da TV Globo pela segunda vez. A primeira havia sido 28 anos antes, quando fui gerenciar o departamento de publicidade da Warner Bros. no Brasil. Na verdade eu pedi para sair, mas Ari Grandinete, que cuidava dos contratos dos roteiristas, foi generoso comigo; me pagou meus direitos trabalhistas e ainda, se caso eu quisesse voltar, seria bem-vindo. Mas o desligamento de 2015 foi menos alvissareiro. Junto comigo muitos outros funcionários da casa se desligariam, no que nos anos seguintes se tornaria um processo dramático e comum para muitos. A Hollywood brasileira não mais podia sustentar seus quadros milionários. Os novos tempos da Internet, da TV a cabo, das streamings havia finalmente chegado e terminado com o sonho global. Assim terminou a Hollywood brasileira.
Hoje a Globo, com um contingente profissional bastante reduzido, só contrata atores, diretores, roteiristas e demais profissionais de produção por obra certa, ou seja, o contrato é relativo a determinado projeto. Quando este acaba de ser gravado, o contrato deixa de existir e o profissional vai pra rua. A rua da amargura, diga-se de passagem. O RH Global gosta de dizer que eles atuam repetindo o modelo americano. Só que a Globo nunca pagou, mesmo no tempo das carteiras assinadas, os mesmos salários que o mercado americano paga, ou, melhor dizendo, pagava.
Fato este comprovado pela atual crise em Hollywood que desde o dia 2 de maio (um dia após o fatídico 1° de maio…) marcou o início da greve dos roteiristas do sindicato nacional da classe, a WGA – Writers Guild of America. E com isso imobilizando toda a produção audiovisual de ficção no país.
Acontece que o “tsunami” que assolou e derrubou a Globo – leia-se Internet, tevês a cabo e streamings – também afetou a realidade americana. Os profissionais aqui se ressentem dessas mudanças que significaram diminuição de rendimentos e outros aspectos negativos criados por esses novos meios de veiculação e produção. Como atesta meu colega Steve Goldman, membro da WGA. Ele me disse:
”As coisas mudaram com os streamers. Principalmente porque hoje as pessoas não são mais capazes de ganhar um salário digno. Isso acabou sendo um dos motivos principais para se entrar em greve.”
Maio veio e se foi. Chegou junho e os roteiristas marcharam corajosamente frente aos portões dos estúdios fazendo demonstrações com cartazes, mas sem grande avanço nas negociações. E agora em julho aconteceu o que todos estavam esperando: os atores, também insatisfeitos com os mesmos problemas enfrentados pelos roteiristas, resolveram aderir ao movimento. O SAG/AFTRA, sindicato do atores, publicou então este comunicado:
“Depois de quatro semanas de negociações com a Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP), entidade que representa grandes estúdios e streamers, incluindo Amazon, Apple, Disney, NBCUniversal, Netflix, Paramount, Sony e Warner Bros. ficou claro que eles não estão dispostos a oferecer um acordo justo sobre as questões importantes para todos. Por causa disso, convocamos uma reunião com nosso Conselho Nacional esta manhã para votar a decisão de entrar em greve.
Desde o início das negociações, em 7 de junho, os membros do nosso Comitê de Negociação e nossa equipe passaram muito tempo, fins de semana e feriados trabalhando em um acordo que proteja os atores e artistas que trabalham e dos quais esta indústria depende.
Como você sabe, na última década, sua remuneração diminuiu devido ao aumento da diversidade do sistema de transmissão.
Além disso, a inteligência artificial representa uma ameaça latente para as profissões criativas, e todos os atores e performers merecem uma linguagem contratual que os proteja de terem sua identidade e talentos explorados sem consentimento ou pagamento.
Apesar da dedicação de nossa equipe em defender nossos membros, o AMPTP se recusou a reconhecer que as enormes mudanças na indústria e na economia tiveram um impacto negativo naqueles que trabalham para os estúdios.
Embora tenhamos negociado de boa fé e permanecido otimistas de que seria alcançado um acordo que atenderia a todas as preocupações dos artistas, as respostas da AMPTP às nossas propostas não foram positivas.
Nós os colocaremos a par imediatamente após a votação do Conselho Nacional e forneceremos informações sobre como a greve afetará seu trabalho. Detalhes sobre os horários e locais das manifestações também serão fornecidos. Verifique sua caixa de entrada regularmente.
Nossa história de noventa anos é uma prova do que pode ser alcançado por meio de nossa convicção e união. Para o futuro da nossa profissão, estamos juntos.
Em unidade,
Fran Drescher (a atriz do seriado THE NANNY dos anos 90) – Presidente”.
Minha amiga, a atriz Jill Holden, membra ativa do sindicato, me disse:
“Para mim, a greve da SAG/AFTRA (sindicatos do atores) e a greve WGA são parte de um problema maior que está destruindo a América. CEOs e proprietários estão ganhando centenas de milhões de dólares por ano em remuneração e os trabalhadores estão ganhando menos do que ganhávamos há uma década pelo mesmo trabalho. A desigualdade de renda está transformando a América em uma sociedade feudal com todo o dinheiro concentrado no topo. Somos as pessoas criativas que realmente fazem a arte e ganhamos uma ninharia do que os executivos ganham”.
Nesta greve, segundo ela, há três questões principais:
- Compensação justa pelo trabalho realizado em serviços de streaming. Isso inclui residuais (pagamento por reapresentação e venda dos conteúdos em que o ator aparece). Fiz duas participações como atriz em shows de canais de streaming no ano passado. Ganhei um salário menor do que se tivesse trabalhado em um programa de rede na década de 1980. E não há acordo contratual residual. As pessoas podem baixar meu trabalho quantas vezes quiser e eu não vejo um centavo disso. Assim fica impossível para atores de nível médio como eu ganhar o suficiente para viver. Sim, as estrelas ganham muito dinheiro, mas há muitos outros atores como eu que trabalham e amam o que fazem.
- O problema da Inteligência Artificial: queremos tornar ilegal o uso de IA para “clonar” atores. Não é certo usar clipes do meu trabalho, por exemplo, e alimentá-los para um avatar meu de IA e criar uma nova linha de história. Não serei eu, mas parecerá, soará e se moverá como eu. Isso destruirá a indústria, destruirá o poder da interação humana, destruirá a arte do cinema e da TV e destruirá minha carreira e também minha humanidade. Eu li que no contrato que os produtores apresentaram, havia um acordo para pagar aos extras (figurantes) uma vez e depois usar a IA para usá-los repetidamente sem remuneração e sem o consentimento deles. Essa é uma questão existencial sobre o que é arte.
- Desde a pandemia, que nós atores temos feito audição para novos papéis em que nos gravamos a nós mesmos. Essa prática de fazer o ator gravar a si para uma audição significa que os atores estão pagando pela audição, pois temos que comprar equipamentos e ter um local para gravar. Além disso, temos que entender como filmar, como iluminar, como gravar som. Também elimina qualquer relacionamento que possamos ter com a pessoa do elenco. Diretores de elenco presenciais que tenham uma maior compreensão do tom e do conceito da obra podem nos ajudar a alcançar o que o diretor pode estar procurando.
Por que os produtores não querem ceder? Ambição.
Não sei o que vai acontecer, mas sei que não estamos sozinhos. Os sindicatos estão voltando e crescendo. Os 99% estão subindo. Os funcionários do hotel, os professores e muitos outros estão se organizando e fazendo greve e os problemas são semelhantes. Antigamente, os CEOs ganhavam 7 vezes mais do que os trabalhadores que fabricavam os produtos. Agora eles ganham centenas de vezes mais do que os trabalhadores que realmente criam. Algo tem que mudar.
A greve é recente. Até agora não é tem sido tão difícil para todos, mas daqui a alguns meses, vai ser brutal. Não são apenas atores e roteiristas que sofrem. É todo o pessoal da indústria. Quando os filmes e a TV não estão produzindo, motoristas, maquiadores, cabeleireiros, professores do estúdio, maquinistas, os donos das lojas de adereços e praticamente toda a cidade fica sem trabalho.
Não sei quando isso vai acabar. Eu realmente não sei. E isso me assusta. Mas este é um momento decisivo para a indústria de entretenimento”.
Como num bom filme de suspense, todos aguardam as cenas seguintes. E sem garantia de um final hollywoodiano feliz para este impasse. Mas enquanto os colegas americanos lutam por dias melhores, talvez seja hora dos artistas e roteiristas brasileiros começarem a se organizar também, na forma de sindicatos efetivos, que exijam dos canais aí no Brasil, as mesmas condições que estão exigindo aqui. A luta é a mesma.
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WLADIMIR WELTMAN – é jornalista, roteirista de cinema e TV e diretor de TV. Cobre Hollywood, de onde informa tudo para o Chumbo Gordo
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(DIRETO DE LOS ANGELES)
Alguma luz no túnel ? Nem falo no fim porque não sei em que ponto do túnel estamos.
Além disso , trata-se de uma questão muito mais ampla, a forma de relacionamento entre pessoas, cooperativa ou explorativa, não digo competitiva por que não há igualdade nas condições.
É o mesmo problema em relação a crise climática, na verdade ambas fazem parte do beco civilizatório em que entramos e estamos confortáveis nele.
Ou percebemos o vacilo e a canoa furada que teimamos em remar ou….fudeu !