Ausência de longas brasileiros em Locarno. Por Rui Martins
ESPECIAL – LOCARNO FILM FESTIVAL
“O projeto entreguista de Bolsonaro com uma gradativa privatização das atividades culturais, levaria, se Bolsonaro tivesse sido reeleito, a uma liquidação de todas as empresas brasileiras dedicadas ao setor cultural: publicação de livros, promoção e realização de shows, direção e montagem de peças teatrais, produção e realização de filmes”
Não adianta procurar nem com lupa. Ainda em consequência da política do ex-presidente Bolsonaro, não há filmes brasileiros de longa-metragem nas principais mostras do 76º Festival Internacional de Locarno, com início dentro de três semanas.
Felizmente, a presença brasileira é assegurada por dois curtas na mostra Leopardos de Amanhã, feitos em colaboração com a Inglaterra e a Alemanha. Nos meus trinta anos de cobertura do Festival de Locarno nunca presenciei essa ausência. Ao contrário, o cinema brasileiro tinha presença e destaque em todas as mostras do Festival.
O resultado esperado era o de despolitizar todas atividades culturais, transformando-as em passatempos, do que se aproveitariam grupos, nem sempre nacionais. para investirem em produtos alienatórios como musicais, shows teatrais e filmes dentro do padrão gospel, sobrenatural e espiritualismo mas nunca de crítica social.
Os dois curtas brasileiros em Locarno
Pássaro Memória, de Leonardo Martinelli, na mostra Pardos de Demain (Leopardos de Amanhã) em coprodução com a Inglaterra. O realizador Martinelli já foi premiado nesta mesma mostra, há dois anos, com o primeiro prêmio, Pardinho de Ouro, pelo curta-metragem Fantasma Neon, um filme sobre entregadores e a uberização do trabalho. Numa entrevista ao Estado, ele havia denunciado o abandono do cinema pelo governo Bolsonaro.
Leonardo Martinelli tem colecionado prêmios em diversos festivais e, em novembro de 2018, ganhou o prêmio do Portal Rede Sina com seu curta-metragem Vidas Cinzas.
Por ocasião do prêmio, Leonardo Martinelli, concedeu uma oportuna entrevista à Rede Sina, da qual transcrevemos um trecho premonitório:-
“Acredito que todo brasileiro está preocupado com o futuro de nosso país, seja por uma razão ou outra. Inevitavelmente há um clima de medo pela possível ascensão de um governo anti-democrático. Historicamente, o candidato Bolsonaro apresenta todas as características de um possível fascista. Seus eleitores estão cegos por uma camada de notícias falsas e sensacionalistas, e levados pelo desespero da recessão econômica. Em sua maioria, não são pessoas más, só desinformadas e relutantes em aceitar qualquer interferência externa a sua própria perspectiva. Tentamos dialogar com estes temas para uma conscientização político-social em nosso trabalho”.
O outro curta é Du bist so wunderbar (Você é tão maravilhosa) curta-metragem em coprodução com a Alemanha, dos cineastas Leandro Goddinho e Paulo Menezes, diretor de fotografia.
Leandro Goddinho é um cineasta brasileiro que vive em Berlim, dedicado às questões do LGBTQIA+. Formado em cinema e teatro, já fez os curtas Darluz e Piscina, premiado em diversos festivais. Foi selecionado para a mostra Berlinale Talentos em 2018.
Um destaque especial, na mostra História do Cinema, para o cineasta brasileiro Rogério Sganzerla, um dos representantes do cinema marginal, com a exibição de dois de seus filmes: Abismu (1977) e Documentário (1966).
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Rui Martins – é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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Não entendi. Alguém proibe quem quer que seja de fazer o filme que quiser?