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Derrapadas políticas. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão

Para onde conduzem as derrapadas dos governantes?

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 O Brasil acaba de assumir a presidência do Mercosul. Mas, com que roupa Lula se apresentou por lá? O grande projeto de integração do Acordo Regional, por se realizar ainda, é com a União Europeia – um bloco que reúne 27 países – que se arrasta, contudo, por mais de 20 anos. O brasileiro tem esperança de debutar sua gestão com a assinatura desse acordo, que livraria seus produtos e membros – Brasil, Argentina. Paraguai e Uruguai – de alguns embaraços fiscais impostos pelos europeus.

Há um mês, na expectativa de ampliar o escopo de sua influência regional, o brasileiro reuniu-se com presidentes de dez países latino-americanos. Suas ideias, pouco explícitas, foram aplaudidas por três ou quatro, mas ganhou a contestação de outros. As derrapadas retóricas do novo chefe do Estado do Brasil terminaram por abalar sua credibilidade também na Europa e nos EUA. Sua opinião sobre a invasão da Ucrânia foi apenas um detalhe.

Lula foi vaiado em Portugal, na Espanha, e gerou uma mal estar na França, ao contestar o texto do acordo que os europeus oferecem, ao declarar publicamente que se tratava de algo com perfil neocolonial. Assim, teve uma recepção fria entre os franceses, que se recusam a adquirir na América Latina produtos considerados prejudiciais à luta contra o aquecimento global. Indignado, o presidente brasileiro denunciou o ” protecionismo” dos europeus.

Viu-se, por sua vez, sentado numa bomba relógio, já que os quatro países do Mercosul são exportadores de matérias primas minerais, o que envolve indiretamente a exploração em áreas ambientais protegidas no Brasil; e de produtos agropecuários, justamente os que emergem do agronegócio, aqueles que asseguram o superávit da balança comercial brasileira. Ao retornar, teve de anunciar, ambiguamente, uma nova linha de crédito, via BNDES, da ordem total de dois bilhões para o setor agrícola. Tentou compensar, ainda, dissertando otimista sobre as doações estrangeiras para o fundo de proteção da Amazônia, para o qual existem apenas promessas.

Ao mesmo tempo está batendo de frente com problemas estratégicos e ideológicos. O primeiro é a defesa da reincorporação da Venezuela ao bloco do Mercosul, banida desde o país tornou-se explicitamente uma ditadura. Obscura ainda é a pretensão de incorporar o Mercosul, um acordo comercial, na UNASUL – União da Nações Sul Americanas, que é um bloco, meio que desativado, com finalidades políticas. Essa anexação envolveria também países da Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru, Equador, Chile) buscando uma política comum com o outro lado do Pacífico – Japão, China, Rússia, Austrália, Nova Zelândia.

Nem dom Quixote pensou em algo tão complicado e ardiloso. Na sua pretensão de gerar uma outra alternativa de governança fora do comunismo, mas também do liberalismo, Lula sonha em unificar politicamente o continente. Mas não tem nenhuma proposta a oferecer, senão uma mistura de ideologias alienígenas com um pouco da criatividade sertaneja. Falta originalidade e, talvez, até mesmo conseguir a confiança dos pares. Autoproclamado como um grande ator na política internacional tem para si que o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) será a grande organização que vai deslanchar uma nova governança global. E, assim, está em plena campanha para unir todos ao redor em torno do Brics e fortalecer a sua organização, de tal forma que se possa oferecer soluções fora não apenas da ONU- Organização das Nações Unidas, mas também a OEA – Organização dos Estados Americanos, do FMI – Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, e até do dólar como moeda de lastro para as transações comerciais internacionais.

No caso da Venezuela, só mesmo Lula e seus assemelhados, também confusos , a exemplo dos peronistas, aceitam o regime venezuelano como algo democrático – “A Venezuela faz mais eleições que no Brasil” -, declarou o brasileiro, ignorando que o ditador Nicolas Maduro assinou atos nesses últimos dias proibindo a candidatura de lideranças oposicionistas que possam ameaçar a estabilidade do seu regime autoritário, e que já aprovou leis permitindo sua eterna reeleição. Um desafio para a história.

No acordo do Mercosul, assinado em Ushuaia, no sul da Argentina, firmou-se o Compromisso Democrático do Mercosul, no qual se estabeleceu que só podem ser membros do Mercosul países que adotem regime democráticos, o que, na ocasião, levou à suspensão do Paraguai, e a também enganosa incorporação da Venezuela ao Acordo regional.

A ideia da absorção do Mercosul pela Unasul, saiu da cabeça de Hugo Chávez, em nome de suas ideias bolivarianas, e teve o apoio imediato de Dilma Rousseff (Brasil), Cristina Kirchner (Argentina), e Pepe Mujica (Uruguai).Pretendia-se ampliar seus benefícios, mas, no fundo, o que Chávez, um inconsequente, queria mesmo era desarticular o Mercosul, praticamente o único acordo regional de sucesso na história da América Latina.

A assessoria de Lula vem investindo em torna-lo porta-voz da América Latina nessas maquinações mundiais ideologizadas.

Mas o cenário não é tão favorável assim com pensam seus articuladores filosóficos. Primeiro, o Fórum de São Paulo, surgido no passado de uma conversa entre Lula e Fidel Castro, até mesmo para esvaziar o avanço chavista pelo continente, conseguiu criar, com ideias e organizações exóticas, a sua própria identidade contrária à estabilidade política democrática das sociedades regionais, reunindo partidos de esquerda e excêntricas e “miliciosas” organizações . Segundo, não conta com a simpatia dos governantes de mais da metade dos países da AL. É algo que age à margem das instituições.

Sua última visita à França para negociar com Macron o Acordo do Mercosul com a União Europeia, com o fim de anunciá-lo na sua posse, já que Alberto Fernandez, da Argentina, não convenceu, foi recebida com desconfiança pelos franceses. Os jornais abriram manchetes dizendo que Lula não era parceiro do Ocidente, lançando-se dúvida até sobre o perfil e o caráter do brasileiro. Esta semana, Lula voltaria a derrapar na sua fácil retórica, ao voltar a defender o regime da Venezuela, como se fora essa a sua preferência governativa, ao defini-lo como o “democracia relativa”, estigma que foi configurado conceitualmente no Brasil pelo ditador general Ernesto Beckmann Geisel. Os europeus temem repetir a derrapagem de Obama.

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Aylê-Salassié F. Quintão –  Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

 E autor de Lanternas Flutuantes:

Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
Tailandês – Loi Kathong (ลอยกระทง) 

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