mais um privilegio

Mais um privilégio. Por José Horta Manzano

… Na calada da noite de ontem para hoje, a Câmara Federal votou e aprovou um projeto de lei que estabelece punição para quem discriminar políticos. Especificamente, a nova regra coloca instituições bancárias num sapato apertado…

mais um privilegio

Em princípio, o que não for proibido é permitido, concorda?

Vamos aos fatos. Na calada da noite de ontem para hoje, a Câmara Federal votou e aprovou um projeto de lei que estabelece punição para quem discriminar políticos. Especificamente, a nova regra coloca instituições bancárias num sapato apertado.

Cometerá crime todo aquele estabelecimento que recusar abrir conta bancária, negar concessão de empréstimo ou ainda bloquear a prestação de outros serviços financeiros a políticos e pessoas “politicamente expostas”. Contraventores arriscarão condenação a penas privativas de liberdade. Dado que não se pode mandar banco para a cadeia, seus diretores sofrerão as consequências do novo crime.

Por um lado, é óbvio que os parlamentares estão legislando em causa própria, o que, em si, já é uma indecência. Por outro, a nova lei quebra a igualdade de tratamento a que todos os brasileiros têm direito, sejam eles políticos, agricultores, doutores ou mascates.

Difícil será demonstrar que, na hora de abrir conta em banco, “pessoas politicamente expostas” tenham mais necessidade de amparo que profissionais de outros ramos. Pelo contrário, o bom senso ensina que um político está mais preparado que um sorveteiro a enfrentar qualquer problema na hora de se entender com a diretoria do banco.

A lei cria uma categoria especial de cidadãos, os “politicamente expostos”, que têm direito a proteção legal para enfrentar estabelecimentos bancários. É mais um privilégio para uma categoria que já tem tantos outros. Nesse sentido, pode-se afirmar sem medo que o novo regramento é discriminatório. Se bancos são obrigados a abrir conta para esses cidadãos, têm de ser obrigados a fazer o mesmo para qualquer cidadão.

Talvez seja pedir muito, mas as excelências que põem regras em nossa vida bem que podiam, por um instante, esquecer conchavos e falcatruas, e pensar no bem do povo e na felicidade geral da nação. No próprio âmbito bancário, há muita lei que está pedindo para ser criada.

Na França, é proibido pagar salário em dinheiro. Todo salário tem de ser depositado na conta do funcionário. Isso descarrega a Justiça. Desaparecem querelas do tipo “Ele não me pagou!”, “Paguei sim, foi em notas de R$20!”. Por que não implementar sistema idêntico no Brasil? Como? Nem todo o mundo tem conta bancária? Ué, mas se a nova lei obriga estabelecimentos bancários a abrir conta para políticos, por que razão não os obrigaria a fazer o mesmo para todos os que solicitassem?

Outra esquisitice brasileira: pagamentos em “dinheiro vivo”. Experimente, em qualquer país europeu, fazer um pagamento de montante importante em “dinheiro vivo”. Dependendo da situação, o distinto pode terminar na delegacia dando explicações: origem, dono do dinheiro, destino, razão do pagamento. Com toda certeza, um inquérito seria aberto. Pagar imóvel com dinheiro vivo? Nem em sonho!

Por que nossas excelências não introduzem essa prática entre nós? He, he

Acho que a resposta é tão evidente, que dispensa explicação.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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