O fascínio dos mistérios. Por Antonio Contente
…que fizeram renascer o fascínio das histórias de terror. No caso, envolvendo a figura dos vampiros que, de todos os seres que costumam emergir do esvoaçar das neblinas, são os que possuem mais intensidade…
Às vezes me passa pela cabeça que, nos anos recentes (em 1980 e pouco do século passado tivemos Anne Rice com o seu chupador de sangue Lestat de Lioncourt), são os livros de Stephenie Meyer, já transformados em filmes, que fizeram renascer o fascínio das histórias de terror. No caso, envolvendo a figura dos vampiros que, de todos os seres que costumam emergir do esvoaçar das neblinas, são os que possuem mais intensidade. Até porque, paradoxalmente, condensam certo halo de romantismo e sensualidade. Tão bem exposto nas chupadas que costumam dar em jugulares de lindas mulheres. Sugadas com certa volúpia sexual, dado que os afiados caninos se cravam nos pescoços, zona sabidamente erógena. Tanto que após o medo e o pavor que antecedem a primeira mordida, já na segunda as vítimas esperam o chupador, ansiosas; a derramar ofegantes suspiros que remetem à perspectiva do orgasmo.
Ampla matéria publicada na revista Veja lá atrás, nos bons tempos, focalizou um filme que jogava, à época, nas telas, depois de anos adormecidos talvez na face oculta da lua, os lobisomens. Esses peludos indivíduos que deixam a condição de humanos quando tocados pelos, como meu avô dizia, plenilúnios, também exercem enorme fascínio sobre o imaginário das pessoas, ainda mais se considerarmos que eclodem para a malignidade conduzidos pelo que de mais lindo e fascinante as noites podem oferecer — os luares.
Comecei a pensar nessas coisas numa das temporadas de recolhimento à ilha do Delta do Rio Amazonas onde tenho uma choupana. É que levara para lá “Crepúsculo”, o romance de Stephenie Meyer, sucesso nas telas do mundo que tem alimentado o encantamento das pessoas exatamente naquele limite em que o medo e o pavor se transformam num quase doce coquetel de, digamos, fortes e ternas emoções.
As figuras dos vampiros adquiriram forma literária com o irlandês Sheridan Le Fanu, tido por muitos como o primeiro escritor de histórias de terror, no século XIX. E daí em diante, passando por tantos autores como Bram Stocker (do clássico Drácula), tenho navegado, às vezes quase de mãos dadas, com seres das neblinas que me foram ofertados por Stephen King, H. P. Lovercraft, Edgar Allan Poe, Mary Shelley, Roderick Anscombe, Mary Higgins Clark, John Bellairs e por aí vai.
Afinal, a nunca arrefecida moda dos vampiros e lobisomens faz perpassar pela minha pobre cabeça algo insólito. Uma espécie de mórbido desejo de vislumbrar, saindo das neblinas, alguns desses habitantes das sombras, dos silêncios, ou, no mínimo, dos suspiros tenuemente enunciados.
No começo do Inverno amazônico, a estação das chuvas, ali na ilha, não são raras as noites em que ocorre o surgimento, entre brisas úmidas, de fortes mantos, misteriosamente inconsúteis, de neblinas. Muitas vezes tenho ficado, na janela do meu tugúrio que se abre para o pomar, a acompanhar a formação das névoas. Elas chegam da superfície das águas da baía e vão penetrando primeiro entre os troncos, depois pelos galhos, até atingir o alto das árvores. Onde se adensam e param como algo frio em que um preciso toque meio cinza azulado é a capa que pode estar cobrindo todos os mistérios. Permaneço horas e horas olhando para aquele cenário em que tudo que contém parece induzir à espera de que repentinamente apareça algo. Nem sei o que daria para observar a figura de Drácula, com a capa negra de gola alta, a pairar entre dois troncos de grandes sumaumeiras. Ou um uivante ser cujos braços, ainda no processo de ser cobertos por cabelos, definitivamente indicasse que tinha diante de mim um insofismável lobisomem. Nunca, porém, vi nada que não fosse o vagaroso mover do próprio cenário esvoaçante sobre as sombras, moldando-as sem defini-las. No intervalo das longas esperas pelos moradores das impalpabilidades, que nunca aparecem, um dia consultei seu Pluéricles, o caseiro que está comigo faz muitos anos, e que nasceu e sempre viveu no imenso delta.
— Diga-me – perguntei ao bom homem – você nunca viu, nas noites de neblinas, nenhum ser misterioso a vagar por este pomar?
— Não – ele respondeu – mas uma pessoa que morou aqui por alguns anos antes do amigo, viu.
— O que? – Senti que os pelos do meu braço se eriçaram.
— Um boto que virou gente e levou a mulher do camarada.
— E era boto mesmo?
— Pra ele, era.
— E pra você?
— Para mim e para outras pessoas era um barqueiro que só encostava nessas margens nas noites de muita neblina. E que depois que a mulher sumiu nunca mais apareceu…
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ANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
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verapessagno@hotmail.com
tá confirmada, Vera! Obrigada.
Também eu ficaria a procurar sobrenaturalidades num cenário como este seu.
Já essa história de boto eu acho ótima. Desculpa mais do que bem-vinda a justificar o injustificável.