O desencontro em Hiroshima. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 1 ano ago… na reunião do Grupo dos 7, em Hiroshima, Lula e Zelensky se desencontraram, o que torna ainda mais difícil a mediação. Não se trata, aqui, de determinar a culpa a partir de relatos diferentes na imprensa. O importante é que o encontro tivesse acontecido. Outros líderes, inclusive mais próximos da Rússia, como o indiano Narendra Modi, se encontraram com Zelensky…
(ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S. PAULO, E NO SITE DO AUTOR, www.gabeira.com.br, EDIÇÃO DE 26 DE MAIO DE 2023)
As chances de avançar na mediação da guerra na Ucrânia não foram todas perdidas. Mas será preciso um roteiro para recuperar o caminho.
Nos últimos anos de minha passagem pelo Congresso Nacional, percebi a crescente importância da política externa no Brasil pelo número grande de estudantes que vinham acompanhar as sessões da Comissão de Relações Exteriores. O Brasil se internacionalizava cada vez mais e o interesse dos jovens abarcava também novas chances no mercado de trabalho.
O governo que se instalou em 2023 talvez seja o mais voltado para uma política externa, desde o início da redemocratização. Isso também pode ser um reflexo dos novos tempos.
Dois importantes fundamentos de nossa inserção no mundo estão sendo enfatizados: a proteção dos recursos naturais, incluindo o desenvolvimento sustentável da Amazônia, e a luta pela paz mundial.
A política de meio ambiente foi esboçada pelo presidente Lula no seu discurso em Sharm el-Sheikh, no Egito. Foi uma espécie de passaporte para a volta do Brasil como protagonista no cenário internacional. Depende ainda de realização prática, mas as intenções foram claras.
O presidente Lula decidiu levar adiante nossa tradição de luta pela paz. No passado recente, já tivemos um papel importante mediando conflitos entre Equador e Peru e contribuindo, em 1988, para resolver uma disputa de quase dois séculos.
Mas agora, ancorado na nossa tradição diplomática, Lula decidiu elevar o sarrafo de nossa capacidade mediadora, tratando de um conflito na Europa, a guerra na Ucrânia, que envolve, de um lado, os principais países ocidentais e, de outro, a Rússia, que, além de europeia, tem raízes na Ásia. De um ponto de vista biográfico, é uma escolha inteligente. Mesmo em caso de fracasso, Lula passará à História como aquele que tentou, sem êxito, promover a paz numa Ucrânia devastada pela guerra.
Há muitos caminhos para quem se interessa em fortalecer o papel do Brasil no mundo. É possível criticar a iniciativa de Lula, da mesma forma que é possível aplaudi-la incondicionalmente. No entanto, há uma espécie de trilha entre esses dois caminhos que significa aceitar o grande desafio de mediar uma guerra desta proporção e, simultaneamente, contribuir para que a mediação seja muito bem feita, isto é, colocar o sarrafo mais alto ainda. Alguns erros foram cometidos no caminho. Mas ninguém pode afirmar que a mediação esteja irremediavelmente perdida.
A primeira dificuldade surgiu quando Lula afirmou a um jornal francês que a Ucrânia poderia abrir mão da Crimeia. Não se trata de uma tese estapafúrdia. Intelectuais como Edgar Morin a defendem abertamente. Morin, aos 101 anos de idade, acaba de lançar um livro sobre a guerra propondo que a Ucrânia abra mão da Crimeia, onde a população russa é maioria, seguida dos tártaros e ucranianos. O escritor francês vai além, propondo que a Ucrânia abra mão também de Donbass, região industrializada por Stalin, e se integre na Otan.
A diferença entre Edgar Morin e Lula é muito simples: um é potencial mediador, o outro, apenas um intelectual.
As declarações na China condenando a ajuda militar do Ocidente à Ucrânia também não foram bem recebidas, a ponto de muitos observadores afirmarem que Lula estava próximo de Vladimir Putin.
E, finalmente, na reunião do Grupo dos 7, em Hiroshima, Lula e Zelensky se desencontraram, o que torna ainda mais difícil a mediação.
Não se trata, aqui, de determinar a culpa a partir de relatos diferentes na imprensa. O importante é que o encontro tivesse acontecido. Outros líderes, inclusive mais próximos da Rússia, como o indiano Narendra Modi, se encontraram com Zelensky. O argumento de Lula de que o a reunião dos 7 não tratava de guerra não se sustenta: um potencial mediador precisa aproveitar todas as oportunidades para realizar sua tarefa.
As chances de avançar na mediação da guerra não foram todas perdidas. Mas será preciso um roteiro para recuperar o caminho e não se contentar apenas com a intenção mediadora, mas com a eficácia da iniciativa.
Em primeiro lugar, seria importante que Lula falasse desses temas a partir de um texto, nunca improvisando. Não há nada demais nisso, apenas um reconhecimento de que relações internacionais são delicadas e demandam uma cuidadosa escolha das palavras.
Em segundo lugar, seria importante que o governo brasileiro mostrasse alguma empatia com a Ucrânia, além, naturalmente, de condenar a invasão armada. Uma das hipóteses é receber para uma audiência os representantes da colônia ucraniana no Brasil. Existe uma falsa impressão de que os ucranianos são de direita e que a resistência é formada por fascistas. O presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira, Vitório Sorotiuk, lutou contra a ditadura, se asilou no Chile e na Europa e mantém um bom nível de informações sobre o que se passa por lá.
É verdade que o ex-ministro Celso Amorim esteve na Ucrânia como enviado especial, mas, no pé em que as coisas estão, seria necessário reencontrar a aura de neutralidade.
O governo e seus apoiadores podem achar um pouco audacioso fazer sugestões não tendo nenhum tipo de vínculo ou de relação com eles. O problema central é que é muito difícil de se desvincular da condição de brasileiro e tratar nossa política externa como se fosse algo desenvolvido em outro país. Nada demais esperar dela que funcione na prática.
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Fernando Gabeira*– é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Atualmente na GloboNews, como comentarista. Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro. Articulista para, entre outros veículos, O Estado de S. Paulo e O Globo, onde escreve às segundas. Programas especiais – reportagens – para a GloboNews. Semanalmente, o podcast Fala, Gabeira! – no YouTube – https://www.youtube.com/@falagabeira2980
Gabeira, posso estar errada, mas me parece que você está a desculpar e a justificar demais o comportamento de Lula.
Cito somente uma passagem que contradiz toda essa boa vontade que você vê nele e eu não: quando Zelensky chegou para a reunião do G7, TODOS se levantaram para cumprimentá-lo, com exceção de Lula, providencialmente absorto em leitura de algo muito importante.
Não houve só desencontros.
Houve também ego ferido, mimimi e uma invejinha tola e infantil.
Lula ainda não percebeu que – faz muito tempo – já não é mais “o cara”.
A fila andou.