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A força das palavras. Por Aylê-Salassié F. Quintão

 “ENSABOADA”: MISTURA EXPLOSIVA DA LINGUAGEM

“Um dia eu conheci a força das palavras, foi quando eu me rendi”. Esta declaração é do psicoterapeuta Márcio Freitas. Funciona como uma advertência para aqueles que se expressam com excesso de ênfase, sem refletir sobre o que pretendem dizer…

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Nas gravações eletrônicas de qualidade duvidosa, as palavras pronunciadas tem efeitos quase onomatopeicos. Parecem rugidos de leão; uivados de lobo; gado berrando, vaca mugindo; gato miando; sapo coaxando; ou cão ladrando. Assim, a democracia brasileira quase submerge na avalanche de notícias falsas e falas absurdas.

Não é culpa só do equipamento eletrônico. Tecnicamente, a mudança de intensidade no tom e na modulação do timbre – grave, médio ou agudo -, combinado com o desdém ao sentido das palavras, a voz humana pode apresentar variações extremas, para refletir efeitos atenuantes, agressivos e até vacilos na imaginação. No caso, a rouquidão de Lula e a suas prontas respostas, sempre absorvidas, domesticamente, como originais e até charmosas, no campo da geopolítica tornaram-se perigosas.

Os hermeneutas franceses, sobretudo Bachelard, Ricouer e Foucault, do período do pós Segunda Guerra Mundial, aprofundaram-se na análise do discurso e no significado vocabular contido nas escritas e nas falas. Chamavam a atenção para o fato de que “as palavras geram realidades”. Portanto, não dá para vacilar no seu uso, tanto o homem comum na sua convivência diária com os pares, quanto os políticos para manter sua credibilidade.

Ora, o mau uso das palavras e o pieguismo ideológico do nosso Presidente da República, que, em seu périplo pelo mundo, não tem força para produzir uma conduta diferente daquela que o ampara na política doméstica. Seu comportamento e atitudes vem trazendo trouxe o Brasil novamente para as primeiras páginas dos jornais, agora ridicularizado pelas sugestões para acabar com a guerra na Ucrânia, gerada pela invasão da Rússia, que se quer hegemônica no mundo. O Presidente do Brasil sugeriu a simples entrega da Criméia, território ucraniano invadido, para os russos. Pouco antes, havia passado pelos Estados Unidos, onde assumiu compromissos políticos compatíveis com a defesa do território ucraniano. Depois foi para a China, e fez declarações totalmente diferentes, e acusou explicitamente a Europa e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de estar alimentando a guerra, sem tocar nos direitos da Ucrânia, sequer de defender seu povo e seu território.

Muda de lugar, e muda a linguagem. O presidente brasileiro conseguiu em duas a três declarações públicas, aparentemente pessoais, comprometer toda uma história diplomática do País, amparada na equidistância de conflitos que não lhe dizem respeito.

Com sua atitude e palavras fluidas – “ensaboadas”, como disse um analista político – o Presidente negou também toda luta interna, nesses últimos 40 anos, em favor da democracia no Brasil. Tornou praticamente público seu alinhamento pessoal como a Rússia, mesmo Vladimir Putin ameaçando explicitamente o mundo com uma guerra nuclear. Insatisfeito com as doações norte-americanas, foi à China, de Ji Jinping, buscar “renminbins”. Retomou a relação com a ditadura venezuelana e com a Nicarágua do violento e repressor Daniel Ortega e outros que se insinuam por aí. É como se estivesse empenhado em envolver o Brasil num campo de guerra, popularizando por aqui líderes e países de natureza beligerantes e autoritários. Foi a Espanha e vai à Itália se explicar.

Na visita a Portugal, divulgou-se por aqui que ele receberia uma homenagem no dia 25 de abril, data em que os portugueses comemoram a queda da ditadura Salazar/ Marcelo Caetano, que durou 48 anos. Foi informado, com antecedência, de que, diferentemente, haveria em Lisboa um grande protesto contra suas posições contrárias à ajuda dos EUA, da Otan e dos europeus aos ucranianos. Em Lisboa, indagado sobre o tema por parlamentares e jornalistas, Lula preferiu fingir que não entendia as palavras em português lusitano. Dezenas de ucranianos imigrantes, expulsos do seu país de origem, pela invasão russa, reuniram-se em frente à embaixada brasileira para protestar contra a visita de Lula.

O Presidente confia na sua sabedoria, já dando sinais de senilidade – indo para 78 anos – adquirida ao longo da existência. Vulgariza palavras que, na verdade, tornaram-se conceitos científicos. Na última semana, ao falar, com desenvoltura própria, num encontro de chefes dos Três Poderes e governadores estaduais sobre a questão da violência, terminou revelando-se desinformado e preconceituoso em relação às pessoas com transtornos mentais, que chamou de pessoas com “desequilíbrio de parafuso”.

Concluiu numa aritmética forjada, naquele momento, pela sua criatividade, que “São cerca de 30 milhões no Brasil”. Em seguida afirmou que os games só servem para produzir o ódio. Antes, em queda de braço com o Banco Central, queria baixar os juros à fórceps. E, assim, empoderado, confiante na sua sapiência cabocla, o nosso Presidente transita , com frequência, por um campo semântico impróprio e vacilante para se defender, acusar, denegrir ou desviar o sentido de questões sérias e legítimas, como a acusação contra o ex juiz Sérgio Moro, hoje senador, e a quem se refere com palavras de baixo calão, forjara com o PCC (pessoal da criminalidade) um suposto atentado a si mesmo. Auto avalizou-se referindo à Polícia Federal como fonte.

Dá saudade de ter uma governança identificada com os interesses do Brasil como Nação.

A deficiência da capacidade de se expressar de nossos governantes, achando que aquilo que falam é relevante revela uma mistura vocabular explosiva e sinais de transtornos psicológicos, frutos, no mínimo, de educação, de desconhecimento da história, de compreensão da ciência e, sobretudo, da linguagem e das palavras que lhe dão sentido. Zelensky está convidando Lula para visitar a Ucrânia, com o fim de mostrar para ele o que acontece por lá. É isso: com quase 80 representações diplomáticas no exterior, gente competente, o governo brasileiro se faz expressar por um estatismo “fake”, manipulado por quem conhece mal as raízes da cultura do Ocidente, com seus grandes pensadores, filósofos, políticos e intelectuais, responsáveis pela formulação de um modelo de vida para a sociedade humana, em substituição à barbárie em que viviam os homens, e ainda parecem viver em algumas regiões do Planeta.

 “Gente eu engasguei comigo mesma”: essa é a nossa ex-presidente impedida. Ela  voltou, com Lula: “…Sul Global, ou seja esse sul que quer emergir com países do norte, e com o multilateralismo”, e, assim, tomou posse na presidência do Banco do BRICS , no dia 13 de abril,  aplaudida pelo nosso ativista contra a pobreza, com salário mensal de 50 mil dólares.

Resultado de tudo isso é que Lula tem feito discursos corrigindo o que disse em estado intempestivo. Mas, contraditoriamente, recebeu Sergey Lavrov, braço direito de Putin, e está enviando Celso Amorim para conversa com o líder soviético em Moscou. Sua proposta de paz já não tem credibilidade. Surgiram outras: Ji Ping, do presidente da Turquia, Edorgan, e do próprio Zelensky.

Enfim, o ambiente vocabular no Brasil se assenta mesmo sobre um cenário onomatopeico: um leão que ruge; um lobo que uiva; um gado berrando; uma a vaca mugindo; um gato miando; um sapo coaxando; e cães latindo.

Presidente, chame seu escriba. A nível internacional não dá para “ensaboar”.

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Aylê-Salassié F. Quintão – 90, Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

 E autor de Lanternas Flutuantes:

Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
Tailandês – Loi Kathong (ลอยกระทง) 

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