O ano da marmota
Por Alexandre Schwartsman*
Publicado originalmente na coluna do autor na Folha de S. Paulo, edição de 6 de janeiro de 2016
Comemoramos o Ano Novo, com direito a queima de fogos e até um artigo especial da presidente da República em que ela mais uma vez busca se eximir da culpa pelo seu lamentável desempenho, deixando, é claro, de admitir sua responsabilidade pelos inúmeros erros de política, bem como a arrogância com que desconsiderou qualquer crítica aos disparates do seu primeiro mandato.
No entanto, sinto informar que, tal como no filme “Feitiço do Tempo” (Groundhog Day, no original em inglês), estamos ainda presos em 2015, de onde só sairemos se, da mesma forma que o protagonista, reconhecermos nossos erros e conseguirmos corrigi-los.
A verdade é que muito se falou e pouco se fez a este respeito. Do ponto de vista do ajuste fiscal, por exemplo, embora os gastos primários do governo federal, medidos a preços de novembro de 2015, tenham caído de janeiro a novembro (algo como R$ 27 bilhões, cortesia da inflação elevada), tanto a causa como a distribuição da queda não são bons presságios para o futuro.
Com efeito, os gastos de capital caíram R$ 32 bilhões; já os gastos correntes subiram R$ 5 bilhões. Destes, os gastos previdenciários aumentaram R$ 7 bilhões, impulsionados pela elevação do salário mínimo pouco inferior a 9% no ano passado.
Isto sugere haver pouco espaço para cortes adicionais do investimento, enquanto os gastos correntes deverão seguir sua trajetória ascendente, em particular se, como esperado, a inflação deste ano for menor que a de 2015, enquanto o novo reajuste do salário mínimo já foi fixado em quase 12%.
Posto de outra forma, o ajuste fiscal propriamente dito, isto é, a correção da persistente tendência de aumento do gasto público, ainda está para acontecer.
Neste sentido, a falta de convicção da presidente, estampada no seu artigo, é muito mais inquietante do que as tendências “desenvolvimentistas” do novo ministro da Fazenda, ainda que estas sejam bastante reais. Da mesma forma são preocupantes as pressões do seu partido para a retomada da experiência heterodoxa do primeiro mandato, defendida por economistas que ainda tentam nos convencer que a Nova Matriz jamais existiu (a última desculpa é que se tratou de uma “tentativa de prolongar o ciclo de consumo e só”).
Isto dito, se não houve progresso no campo fiscal, a situação consegue ser ainda pior no âmbito das reformas microeconômicas. Como bem notado por Marcos Lisboa e Zeina Latif em artigo recente, o país acumulou enormes distorções nos últimos anos, revertendo o progresso de décadas anteriores. Nada foi feito para corrigir estas distorções, boa parte das quais, diga-se de passagem, foi criada precisamente no período em que Nelson Barbosa desempenhava papel central na equipe econômica.
Olhando à frente, não é preciso muito para nos persuadir que são reduzidas as chances de avanço em qualquer uma das áreas acima. Para começar não existe no governo, depois da saída de Joaquim Levy, quem as defenda à vera.
Mais importante, porém, qualquer um que tenha lido a entrevista do ministro da Casa Civil deve ter notado que não há qualquer outra prioridade por parte da atual administração que não seja evitar o impedimento da presidente.
Neste contexto, ninguém deverá se surpreender caso acordemos em 2017 com a exata sensação de estarmos ainda em 2015.
• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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