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Arquivos. Ou o porta-retratos da vovó. Por Silvia Zaclis

…Os porta-retratos demandam jogo de cintura e diplomacia, deve-se evitar conceder mais espaço para um dos filhos ou dos netos. De preferência, todos devem ser colocados na mesma prateleira, à mesma altura, para evitar que, mesmo sem a menor intenção por parte de vovó…

Arquivos. Ou o porta-retratos da vovó. Por Silvia Zaclis

Uma criança de hoje é mais fotografada em um mês do que alguém da minha geração seria em vários anos de vida. Os aniversários, então, merecem verdadeiras reportagens no celular. Mas os avós sentem falta das fotografias de papel para seus álbuns e porta-retratos.

Os porta-retratos demandam jogo de cintura e diplomacia, deve-se evitar conceder mais espaço para um dos filhos ou dos netos. De preferência, todos devem ser colocados na mesma prateleira, à mesma altura, para evitar que, mesmo sem a menor intenção por parte de vovó, Luanzinho apareça mais que a Bia.

E tem aquela hora em que se decide preservar a memória, encarando caixas abarrotadas há décadas em longas  sessões de escaneamento. Haja paciência! Depois tem que organizar em pastas virtuais, senão você nunca mais vai achar a foto que está procurando. A imagem – assim como a felicidade, como ensinava o poeta Vicente de Carvalho – “está sempre onde nós a pomos, mas nós nunca a pomos onde nós estamos”.

Onde será que você arquivou aquela foto andando a cavalo em 1976 com a amiguinha que anos depois casaria com seu irmão? Não que a foto seja uma favorita, já que eles se separaram logo depois, mas serviu para explicar o conceito. Arquivar também exige tempo, e nem sempre funciona.

Numa das caixas aparece uma sequência de fotos, umas dez, todas rigorosamente iguais.

Ou não? Aí perde-se um tempo verificando se não haveria alguma ligeira diferença entre elas, algo pequeno, mas decisivo, capaz de ser a prova definitiva de um crime ou, ainda, a comprovação de um álibi. Não, são iguais mesmo. Picota todas? Deixa uma para referência?

E os “ex” maridos, mulheres, amigos, cunhados, chefes… Excluir as fotos ou não? É certo apagar a história porque os gostos e amores mudaram com os anos?

Escanear demora, e aí você tem a ideia brilhante de fotografar as fotos antigas, muito mais prático. Deve ter uma porção dessas lá na nuvem, esperando a sorte de ainda ter sobrado alguém para identificar os fotografados.

Cópia feita, em escâner ou celular, aí faz o quê? Joga a foto original no lixo? E quem é que tem coragem de rasgar  retrato de gente conhecida?  Mas rasgar é preciso, em pedacinhos.

Imagina deixar a imagem da vovó chegar às mãos de algum estranho na usina de reciclagem ou no lixo do prédio… “Olha ali, debaixo das cascas de chuchu, não é aquela velhinha que vinha visitar a chata do segundo andar? Que falta de respeito…”

Tem que picotar. Se as fotos forem muitas,  o ideal é alugar uma daquelas picotadoras que aparecem em filme americano quando alguém precisa sumir rapidinho com documentos comprometedores de despejo de veneno em rios, trabalho infantil, escravidão, etc.

Será que a locadora faz delivery? Você se vê carregando uma máquina dessas para baixo e para cima?  Tanto peso e trabalho para o  que?

Tudo considerado, eis o meu conselho: dê uma geralzinha nas suas fotos, elimine as rasgadas ou absolutamente fora de foco (essas coisas aconteciam antigamente); aproveite para jogar fora as caixas em pior estado e arranje uma nova para guardar tudo.

Acredite, você vai ter uma boa sensação  de dever cumprido.  Já aquelas dezenas de milhares de imagens digitais que povoam seu notebook, celular, iPad, hd’s, pendrives e outros do gênero, deixe o dia de ontem cuidar de si mesmo. Já foi, está feito.

Quanto às próximas empreitadas, lembre-se de poucas décadas atrás, quando a gente não só precisava comprar filme como cada clique implicava no pagamento da revelação. Éramos mais seletivos. Imagina que a gente olhava para o objeto, e antes de clicar!

De qualquer forma, garanta um latifúndio na nuvem e se prepare para comprar muitas, muitas caixas.

Ah, e lembre-se de abastecer os porta-retratos da vovó. Ela merece.

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SILVIA ZACLISÉ JORNALISTA

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