LEVANTE DO GUETO DE VARSÓVIA

LEVANTE DO GUETO DE VARSÓVIA

80 Anos do Levante do Gueto de Varsóvia. Por Jaime Pinsky

… Quando os nazistas conquistaram Varsóvia, em 1939, lá viviam 360 mil judeus, algo como 30% da população total da cidade. Poucos fugiram com a chegada dos alemães, não acreditavam na “solução final” para os judeus que Hitler tinha prometido tantas vezes. Deveriam ter acreditado, pois já no ano seguinte, em 1940, os alemães mandam construir um muro de 16 quilômetros de comprimento e três metros de altura …

LEVANTE DO GUETO DE VARSÓVIA
LEVANTE DO GUETO DE VARSÓVIA
PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BLOG DA EDITORA CONTEXTO

Há oitenta anos, no dia 19 de abril de 1943, o general alemão da SS. Jürgen Stroop entrou com suas tropas no gueto de Varsóvia, com o objetivo de cumprir as ordens dadas pessoalmente por Hitler e erradicar todos os judeus da cidade. No dia 16 de maio, o general comunicava para um Hitler exultante e para um mundo indiferente que “não há mais judeus em Varsóvia”. Ao que se sabe, o único protesto importante contra o fim do judaísmo polonês foi o suicídio solitário do líder judeu polonês no exílio (em Londres) Szmul Zygelboim que em tocante carta dizia: “Quero registrar meu protesto final contra a passividade com a qual o mundo está vendo e permitindo o extermínio do povo judeu.”

A presença judaica na Polônia data de muitos séculos, pelo menos desde o século XIII. Convidados pelos príncipes e protegidos pelos reis, os judeus, elementos urbanos e modernizantes numa sociedade feudal, tinham a vantagem de ter prática em atividades comerciais, financeiras e administrativas que haviam desenvolvido na Europa Ocidental. Durante vários séculos a vida dos judeus poloneses tinha sido razoavelmente tranquila. De fato, foi na Polônia que o ídiche alcançaria o status de língua literária, forma de expressão de gênios como Sholem Aleichem e de prêmios Nobel como Isaac Bashevis Singer.

Foi do judaísmo que se organiza na Polônia e em países em sua volta, como a Rússia, a Lituânia, que aparecem revolucionários e pesquisadores de alma, santos e guerreiros e uma cultura que desenvolveu formas de expressão como o teatro, o cinema, a música e a pintura que contribuíram de forma expressiva para o patrimônio cultural da humanidade. Entre filhos diretos e indiretos do judaísmo de cultura iídiche, além de nossos grandes escritores e homens de teatro, gostaria de lembrar os grandes músicos (descendentes dos conjuntos musicais do shtetl), dos cineastas (que praticamente criaram a indústria cinematográfica norte-americana), dos políticos que ajudaram a lançar as bases do socialismo, tentando a transposição de um socialismo utópico para um socialismo científico e tantos outros.

Mas esta cultura e seus portadores foram condenados à morte pelo nazismo.

Monumento A Jan Kilinski. Un Zapatero De Profesión, él Ordenó El Levantamiento De Varsovia De 1794, Un Levantamiento Contra La Guarnición Rusa En Varsovia Fotos, Retratos, Imágenes Y Fotografía De Archivo Libres
Monumento homenagem ao Levante do Gueto de Varsóvia

Quando os nazistas conquistaram Varsóvia, em 1939, lá viviam 360 mil judeus, algo como 30% da população total da cidade. Poucos fugiram com a chegada dos alemães, não acreditavam na “solução final” para os judeus que Hitler tinha prometido tantas vezes. Deveriam ter acreditado, pois já no ano seguinte, em 1940, os alemães mandam construir um muro de 16 quilômetros de comprimento e três metros de altura dentro do qual todos os judeus deviam ficar confinados. Já eram nessa época cerca de 500 mil, graças aos deportados de pequenas cidades para lá enviados, todos submetidos (segundo estatísticas dos próprios alemães) a um regime de 184 calorias diárias, em média. As mortes, milhares por semana, davam-se por inanição. Mas isso parecia não ser o bastante para os nazistas.

Em 1942, começa a funcionar o primeiro campo de extermínio (não confundir com os campos de concentração) e para lá iam sendo levados os habitantes do gueto, começando pelos doentes, os velhos e os mendigos. O inacreditável estava se tornando verdade, o fim parecia próximo. Para todos.

… Uns poucos conseguiram escapar, para contar a história e nos fazer lembrar quão pequenos os homens podem ser, mesmo que aparentemente cultos e sofisticados como os alemães e quão imensos podemos ser quando assumimos integralmente e com coragem nossa dimensão humana…

No início de 1943 só havia no gueto algo como 40 ou 50 mil judeus vivos, os outros tinham morrido ou sido transferidos para campos de extermínio. Já não se vislumbrava esperança de ajuda externa (Israel ainda não existia e, ao contrário da visão preconceituosa os judeus nunca foram muito influentes no mundo). Só então a comunidade aceitou os argumentos de um jovem combativo, Mordechai Anilevich e sob sua liderança decidiu resistir. Assim, quando o general Stroop atacou o gueto com tanques, gases, lança-chamas e armas pesadas, encontrou não um rebanho de carneiros prontos para o matadouro, mas um grupo de homens e mulheres dispostos a vender sua vida com dignidade e, se possível, com o sangue dos inimigos.

A resistência, desesperada, durou mais de vinte dias. Mais de vinte mil judeus foram mortos à bala ou pela ação de gases e lança-chamas, ou ainda esmagados pelos escombros. Outro tanto foi aprisionado e morreu em campos de extermínio. Uns poucos conseguiram escapar, para contar a história e nos fazer lembrar quão pequenos os homens podem ser, mesmo que aparentemente cultos e sofisticados como os alemães e quão imensos podemos ser quando assumimos integralmente e com coragem nossa dimensão humana.

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JAIME PINSKY: Historiador, professor titular da Unicamp, autor ou coautor de 30 livros, diretor editorial da Editora Contexto. Autor de vários livros sobre preconceito, cidadania e escravidão. Organizador e coautor do livro “Novos Combates da História“.

jaimepinsky@gmail.com

www.jaimepinsky.com.br

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4 thoughts on “80 Anos do Levante do Gueto de Varsóvia. Por Jaime Pinsky

  1. Para ver como um texto didático pode ser também muito triste. Eu espero que a lei que eobriga o estudo do Holocausto nas nossas escolas esteja sendo cumprida.

  2. Caro Prof. Pinsky. O ser humano tem uma capacidade destrutiva imensa, independentemente de origem, raça, ou seja lá o que for. Em Varsóvia, a barbárie construiu 16 km de muro. Crime contra a humanidade. Os muros de Gaza e Cisjordânia medem mais. O que espanta é a diferença de valores entre as duas situações. Será que uns são mais “humanos” que outros?

  3. *RESPOSTA DO PROF. JAIME PINSKY: POSTADO A PEDIDO DO AUTOR

    A leitura cuidadosa do artigo mostra que a questão central não é o tamanho do muro, mas
    1) as leis racistas definidas pelo governo nazista como política governamental
    2) a perseguição aos judeus como política de Estado, sob pretextos falsamente científicos.
    3) a criação dos campos de concentração (não apenas, mas principalmente) para os judeus
    4) os campos de extermínio para os judeus (não só, mas principalente)
    5) a destruição de uma cultura e de uma língua que tinham cerca de 7 séculos.
    Debater outros problemas mundiais como a perseguição às mulheres em vários países não democráticos (como o Irã), a proibição de construção de templos que não sejam de determinada religião (como na Arábia Saudita), a tentativa do atual governo israelense de esvaziar cortes e tantas outras questões não entraram no meu artigo.
    Minha intenção foi mostrar a destruição de uma cultura, uma língua e um número enorme de pessoas (talvez seis milhões) e agradecer ao Brasil, que recebeu meus avós nos anos perto de 1930 e permitiu que eles não morressem no Holocausto, mas dessem origem a mais de 200 brasileiros que hoje vivem e trabalham em nosso país.

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