Ensino Médio: velhos e novos problemas. Por Dagoberto A. de Almeida
A reforma do ensino médio reduziu em 600 horas os conteúdos tradicionais de português, língua estrangeira, matemática, história, geografia, filosofia, sociologia, artes, educação física, química, biologia e física. Todavia, aumentou de 2400 horas para mais de 3000 horas a carga total do novo ensino médio…
Há consenso na constatação de que o ensino médio no Brasil é lastimável e que precisa ser melhorado. Se ao deixarem o ensino médio nossos jovens são incapazes de ler e interpretar um texto, de fazer as operações aritméticas mais básicas nas questões do dia a dia e se não possuem um conhecimento mínimo de ciências que lhes permitam entender os fenômenos naturais que os cercam, então era preciso mesmo que algo fosse feito. Fato comprovado cotidianamente na seara do mundo real. A desconexão do currículo do ensino médio brasileiro em relação às melhores experiências internacionais pode ser ilustrada no exame do PISA em Matemática, Leitura e Ciências, no qual o vexatório desempenho do Brasil está estagnado na 66ª posição.
Como resposta a essa continuada situação que envenena o futuro de gerações de brasileiros veio a tentativa de melhoria do ensino médio formulada pela Lei nº 13.415/2017 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. No entanto, a maneira apressada e atabalhoada com que a reforma do ensino médio foi conduzida no governo Temer, à revelia de ampla discussão com professores, alunos e especialistas por meio de consultas públicas ou de debates no Congresso, seguramente não aprimorou o modelo. Pelo contrário, criou novos problemas ao já combalido ensino médio brasileiro.
Como se não bastasse, a catástrofe a que a educação brasileira foi submetida pelo governo Bolsonaro trouxe àqueles que participarão do próximo exame do ENEM total insegurança. Afinal, diz a máxima que a avaliação é consequência do aprendizado. Então, como avaliar se o ensino médio não permitiu que os estudantes aprendessem? O fato é que a reforma do ensino médio prometeu avanços que a maioria das escolas, em especial as públicas, não têm condições de entregar. As razões deste fiasco referem-se a variadas razões: modelo mal planejado e implementado desconsiderando as fragilidades dos sistema educacional do país.
A reforma do ensino médio reduziu em 600 horas os conteúdos tradicionais de português, língua estrangeira, matemática, história, geografia, filosofia, sociologia, artes, educação física, química, biologia e física. Todavia, aumentou de 2400 horas para mais de 3000 horas a carga total do novo ensino médio. Destas, cerca de 40% estão voltadas à disciplinas eletivas em cinco itinerários: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas e; formação técnica e profissional. O objetivo é o de que — acreditam seus formuladores — permitir aos alunos selecionar os conteúdos que mais se aproximem das carreiras que escolherão na universidade.
A questão relativa à seleção das eletivas deve-se, principalmente, ao fato do MEC ter aberto mão de suas prerrogativas institucionais para conduzir as políticas públicas de educação com um mínimo de centralização e padronização. Assim, delegou aos estados — e vários destes às suas secretárias de educação e escolas — uma abertura demasiada dos itinerários, o que acabou por incluir conteúdos esdrúxulos como brigadeiro gourmet, como se tornar um tiktoker ou jogos de tabuleiro. Essas curiosidades não são exceções como alguns querem fazer crer, mas permeou várias escolas país afora como tem denunciado a mídia.
Mais sensato seria conceber um modelo similar aqueles já consolidados em experiências internacionais positivas; aquelas nas quais os conteúdos tradicionais são atualizados para atender as demandas atuais sem precisar elencar itinerários específicos. Assim, os conteúdos tradicionais podem ser recheados de temas e exemplos fascinantes da atualidades para enganchar os educandos em processos mais participativos. Por exemplo, língua portuguesa pode além da utilização de textos consagrados de escritores brasileiros, também tirar partido de novos autores em narrativas que envolvam diferentes formas de expressão como na tradicional literatura de cordel ou no moderno rap. Matemática consideraria finanças pessoais e índices econômicos de desenvolvimento como o IDH, o PIB ou o GINI. Química e biologia tratariam de temas relativos à sustentabilidade ambiental, e física incluiria avanços como a da nanotecnologia ou na astronomia com o telescópio James Webb. Enfim, um aprimoramento do que tem sido sempre feito por professores comprometidos desde que devidamente apoiados por boas estruturas, livros e tecnologias mediante modelos pedagógicos comprovados e consistentes. Quer dizer, ilustrar os conteúdos das disciplinas tradicionais com os ricos exemplos do mundo que nos cerca, capazes de capturar a curiosidade e o interesse dos educandos.
É fato que ao deixar a adolescência o jovem já é convocado a fazer escolhas profissionais que afetarão toda sua vida. Ainda assim, uma formação humanista com forte base nas disciplinas tradicionais é fundamental para ampliar suas possibilidades de entendimento e análise, sem o risco da limitação imposta por uma precoce e equivocada especialização. Qualquer proposta de aprimoramento do modelo existente deve ampliar horizontes e não frustrar possibilidades.
O maior equívoco, no entanto, não é o curricular, mas o dos meios necessários para viabilizar uma educação que seja antes de tudo inclusiva. Mesmo porque, em essência a educação é um processo sujeito a aprimoramento constante, mas que carece de medidas que atuem nas questões estruturais de natureza socioeconômica para prover os meios adequados em infraestrutura às escolas, em laboratórios e internet, mas sobretudo na formação docente. É uma gloriosa e permanente missão suportada por políticas públicas que envolvam todos os setores, públicos ou não e que, portanto, ultrapassa governos.
A reforma do ensino médio criou demandas para as quais as escolas públicas não têm em sua maioria condições de atender. Mais de 80% dos estudantes brasileiros estão em escolas públicas, as quais enfrentam graves problemas estruturais como falta de internet e laboratórios e mesmo — pasmem — de água potável e esgoto com dados recorrentes dos censos da educação básica. Nelas jovens de baixa renda, com maioria de pretos e pardos, se frustram por expectativas não atendidas de melhoria de vida pela educação. Adicione-se a esse quadro a capacitação docente — desenvolvida para os conteúdos tradicionais, mas não para atender a extrema variação das disciplinas optativas dos itinerários.
É desgraça anunciada — e sempre desconsiderada — mudanças que focam meramente nos aspectos conjunturais. O fracasso dessas medidas devem-se ao fato de não enfrentarem de forma clara, corajosa e consistente as assimetrias socioeconômicas o que, por consequência, acarretam tão somente o agravamento da desigualdade.
A educação carece voltar ao centro das discussões estratégicas do país. De novo, foi através de transformações na educação que países de fraca economia, como a Coreia do Sul e a China, se destacaram como potencias tecnológicas e econômicas. No Brasil a educação é o ponto de partida para que: se de qualidade for, extensiva a todos os brasileiros, permitirá em decorrência a geração de conhecimentos pela ciência, a qual ao ser aplicada em tecnologias inovadoras traz prosperidade. Mais importante, uma educação humanista que garanta que esse desenvolvimento econômico contribua para mitigar a miséria e a ignorância, para um país mais próspero e justo.
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– Professor Dagoberto Alves de Almeida – ex-reitor da Universidade Federal de Itajubá -UNIFEI – mandatos 2013/16 – 2017-20
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Chamem o Carlos Lacerda.