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Convencer as pessoas. Por José Horta Manzano

… Bem longe dos despenhadeiros. “Convencer as pessoas” é muito bom. Dar a mão a quem precisa é melhor ainda…

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Em nosso sistema político, o presidente da República encarna simbolicamente o povo brasileiro. Quando ele viaja de visita ao presidente chinês, por exemplo, é como se todos os brasileiros estivessem homenageando Xi Jinping.

Por ser incapaz de entender essa dimensão do poder, o capitão passou anos ofendendo duro dirigentes estrangeiros. Cada invectiva que lançou contra a França, a China e os outros foi captada como se o autor do insulto fosse o povo brasileiro. Daí a repercussão planetária.

Nesse aspecto, Lula é mais comedido. Nestes primeiros 3 meses de governo, não fez declaração pública insultante. Houve um dia em que se soltou numa entrevista entre camaradas. Mostrou rancor contra o ex-juiz Moro. Por causa disso, apanhou tanto que deve ter se emendado. Espera-se que continue bem comportado.

Além de procurar manter a decência esperada de um presidente, Lula retomou uma prática desdenhada por seu predecessor. Inteirado das catastróficas inundações no Maranhão, exerceu seu dever de solidariedade e sobrevoou a área. Foi como se o Brasil inteiro tivesse acorrido para demonstrar compaixão.

Só que… ninguém é perfeito.

O Lula operário ficou no passado, não atravessou o milênio. Luiz Inácio, que nasceu e cresceu paupérrimo, está há mais de duas décadas acostumado ao bem-bom. Tirando os meses que passou em cela de luxo em Curitiba, tem levado vida de rei, morando em palácio e cercado de serviçais. A persistência dessa existência afastada do povo tem seu lado perverso: vai desconectando o indivíduo da realidade.

“Precisamos convencer as pessoas que não é possível construir uma casa num lugar que a gente sabe que vai dar enchente”

Essa foi a reflexão de nosso presidente ao sobrevoar a zona alagada. Em sua lógica, ‘alguém’ tem de aconselhar cada sinistrado a abandonar sua casa e se virar para construir em outro local. O Lula ativista de outrora, aquele que puxava greve e arregaçava as mangas por seus companheiros parece morto e enterrado. Desconectou.

O Maranhão é um estado de poucos recursos. Perder a casa (ou estar a ponto de perdê-la) é um drama terrível em qualquer lugar. No Maranhão, então, pode ser ainda mais catastrófico. O raciocínio de Lula me fez lembrar a frase atribuída a Marie-Antoinette, rainha da França, quando viu uma multidão pedindo pão. “Não têm pão? Pois que comam brioches!”. Talvez por não ter entendido o mundo que a cercava, a coitada acabou guilhotinada.

Por certo, Lula não arrisca o mesmo destino. Mas parece não mais entender o mundo dos mais humildes, justamente aqueles que garantiram sua vitória. “Essas pessoas” não precisam “ser convencidas” de que vivem num lugar perigoso, cercado de ravinas (voçorocas) e à mercê do próximo alagamento. Convencidas, já estão. E, se pudessem, já teriam ido pra outro lugar.

É que querer nem sempre é poder. O que se espera do presidente do Brasil, homem de poder, é que apresente um esboço de solução ao problema. As pirambeiras que cercam certas localidades são impressionantes. Há gente morando à beira do precipício – ao pé da letra.

Esses cidadãos não têm de ser convencidos, pois conhecem o perigo. Aquelas casas têm de ser interditadas e os habitantes provisoriamente realojados em local seguro. Em seguida, o poder público terá de indenizá-los e encontrar uma solução para construir casas novas em lugar “que a gente sabe que não vai dar enchente”. Bem longe dos despenhadeiros.

“Convencer as pessoas” é muito bom. Dar a mão a quem precisa é melhor ainda.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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