Poisson d’avril! Por José Horta Manzano
… Na França, as crianças costumam recortar peixes de papel e em seguida grudá-los nas costas de algum distraído. Não demora muito para gritarem em coro: – Poisson d’avril!, peixe de abril…
Os antigos adoravam fazer festa. Qualquer motivo valia. Tanto fazia comemorar datas pagãs ou litúrgicas. Por que tanta gana de sair do sério?
Será porque o dia a dia era mónotono e sem variedade. Será porque a ordem das coisas parecia imutável, não deixando nenhuma esperança de melhora. Será porque a vida era curta naqueles tempos, deixando pouco espaço para alegrias. Será porque a existência miserável e sofrida demandava momentos de escapatória.
A origem de muitos desses festejos – alguns dos quais perduram até nossos dias – é muitas vezes desconhecida. Um exemplo significativo é o do primeiro de abril. Na infância, conhecíamos a data como o dia da mentira. Era o único momento do ano em que contar mentira não era pecado. Não somos o único povo a enxergar esse dia como diferente dos outros. A tradição de pregar peças continua muito forte em vários países.
Poisson d’avril!
Na França, as crianças costumam recortar peixes de papel e em seguida grudá-los nas costas de algum distraído. Não demora muito para gritarem em coro: – Poisson d’avril!, peixe de abril.
Para os franceses, a versão mais aceita da origem da brincadeira tem quase 500 anos de idade. Até meados do século XVI, algumas regiões do país consideravam que o ano começasse em abril, não em janeiro. Outras já tinham adotado o primeiro de janeiro. Assim foi até 1564, quando o rei Carlos IX decidiu botar ordem no coreto: oficializou o 1° de janeiro como primeiro dia do ano.
No entanto, os franceses, já naquela época apreciadores de uma boa contestaçãozinha, não se conformaram tão facilmente. Muitos continuaram a formular votos de bonne année no dia 1° de abril. A data cai frequentemente em plena Quaresma. período em que era proibido comer carne. Acontece que março/abril são também os meses em que os peixes se reproduzem. Pescar nessa época significaria prejudicar a pesca para os anos seguintes. O remédio, então, era presentear os amigos com… peixes falsos. Ninguém é obrigado a acreditar, mas é a versão mais aceita por estas bandas.
Já os ingleses, que dão a esse dia o nome de April Fools’ Day (dia dos loucos), não estão de acordo com a versão francesa. Brandem antigos manuscritos dos Contos de Canterbury para demonstrar que as troças de 1° de abril já eram mencionadas 200 anos antes do decreto de Carlos IX.
Espanhóis fazem as mesmas artes, mas escolheram outra data para zombar dos ingênuos. As pilhérias são pregadas dia 28 de dezembro, justamente o dia dos Santos Inocentes. A tradição passou a algumas regiões da América hispânica.
Em toda a Europa ocidental, jornais, rádios e até canais de televisão costumam publicar notícias falsas dia 1° de abril. E sempre tem quem acredite. Uma delas, excelente, foi inventada por um jornal de Lausanne (Suíça) já faz anos.
Por meio de uma revolução, o povo filipino tinha acabado de se livrar do terrível casal ditatorial Ferdinand e Imelda Marcos. Na hora da fuga, os dois tinham abandonado palácios e bens, a tempo de salvar a própria pele. Os primeiros a penetrar nos aposentos particulares do par infernal ficaram boquiabertos com a quantidade de sapatos que a primeira dama possuía. Parece que eram mais de mil pares.
De brincadeira, o jornal anunciou que os sapatos de Imelda iam ser oferecidos, numa venda especial de um dia só, a preços de liquidação. O excepcional acontecimento se daria dia 1° de abril daquele ano, num dos salões do maior hotel 5 estrelas da cidade. Parece que o hotel nunca foi tão visitado como aquele dia.
Poisson d’avril!
_____________________________________________________
JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
______________________________________________________________