Buscando sarna pra se coçar. Por Aylê-Salassié F. Quintão
Essas amizades construídas em acordos de papel não parecem sólidas. Não são como nós e os argentinos, para quem torcemos contra nos estádios de futebol e, nas ruas, dançamos samba e tango juntos.
Já tivemos um Presidente Bossa Nova. Não saía de Paris. Agora é a vez do nosso globetrotter pelo mundo ampliado. Vai para China! – observava admirado o conterrâneo de Caetés. Quem diria: um filho do agreste, onde biblioteca é coisa rara, chefiando sofisticadas missões diplomáticas do Brasil pelo planeta: Washington, Pequim, Paris, Moscou. É muita raça, muita coragem, muita autoconfiança ou muita cara de pau. Contudo, That´ s the guy! Será que o Barack Obama, criado em Nyang’oma Kogelo, no Quênia, repetiria admirado essa frase referindo-se à Lula, Presidente?
Essa aventura diplomática parece não ter saído sozinha da cabeça de Lula. Companheiros, ex-ministros e outros palpiteiros só podem estar atrás da ideia. Mal começou o governo, o presidente brasileiro visitou a Argentina e o Uruguai: uma questão de gentileza. Em seguida, repetiu o que todos os chefes de Estado do Brasil fazem: foi aos Estados Unidos: Pedir a benção ou lavar a consciência? A impressão é a de que só partir daí é que começou a fazer coisas da sua cabeça. É de assustar mesmo com a sua criatividade.
China, Rússia e os Estados Unidos, vivem, entre si, momentos altamente problemáticos. China e Rússia disputam, há tempos, pequenas fatias territoriais que, alternadamente, um toma do outro, em guerras mesmo. Com a invasão da Ucrânia, a belicosa Rússia está tentando envolver a China em mais um episódio, agora grave. Putin, prepotente e sem escrúpulos, fala com desenvoltura sobre a possibilidade de um enfrentamento nuclear com os Estados Unidos. Os quase 500 milhões de seres humanos que habitam os dois países não contam para o líder russo. O homem parece estar perdendo o controle de si. Putin tem sido useiro e vezeiro na invasão de territórios dos companheiros da antiga União Soviética (URSS), querendo reuni-los novamente à força.
A China, onde o presidente brasileiro pretende desembarcar esta semana, tem problemas fronteiriços graves com os russos, e com mais 18 países ao seu redor, entre os quais com a Índia, 1,3 bilhão de habitantes, sua parceira no acordo do BRICS, e com Taiwan, 22 milhões de cidadãos que discordaram da revolução maoísta, e se abrigaram na Ilha, em meados do século passado, com o apoio dos Estados Unidos. Concorre com os norte-americanos ainda pela hegemonia comercial no mundo. Com a Rússia tem um contencioso na região de Vladivostok, denominado pelos chineses historicamente de Hǎishēnwǎi e, em russo, Владивосток. É o porto onde está estacionada a frota russa do Pacífico,
O Brasil não tem problema com ninguém, nem mesmo com os argentinos. Lula está se arvorando a meter-se onde não foi chamado. Mas, “O nordestino é, sobretudo, um forte”, registrou Euclides da Cunha, … e corajoso! – observou o conterrâneo. Num estilo de missão comercial capitalista, vai desembarcar em Pequim, acompanhado de mais de 200 empresários, cerca de 100 da área da agricultura, e vários ministros de Estado, à procura de dinheiro supostamente fácil. Logo depois segue para os Emirados Árabes também em busca de divisas migratórias.
Pelo que se viu entre Ji Jinping e Putin, tudo indica que o nosso Presidente já não tem mais a primazia da propalada, por aqui, proposta de paz na Ucrânia. O líder chinês se antecipou, com uma proposta estapafúrdia, tentando tirar do nosso estadista do agreste a bandeira da pacificação do conflito asiático, fazendo vistas grossas também para os desentendimentos permanentes com os russos, ansioso por receber o gás da Sibéria. A declaração de cooperação assinada com Putin é pouco simpática aos ucranianos. Mesmo assim, ele prometeu ir a Kiev.
Jinping parece enxergar uma discreta abertura para expandir o conflito para Taiwan. Os planos de Paz seguem caminhos assim inesperados, com a surpreendente ameaça nuclear dos russos contra o Ocidente. Mas, pelo tom absurdo das conversas sino-soviéticas, não diria que a proposta de Lula estaria de todo descartada.
Depois de Mao Tsé Tung, a cúpula do governo chinês tem se orientado no sentido de não permitir o surgimento de novos líderes carismáticos, autônomos e autoritário. Tudo deveria ser decidido coletivamente. Observa-se, entretanto, que o princípio continua a valer, desde que a proposta venha de Ji Jinping. O líder chinês e o russo acordaram associarem-se para fomentar “uma coordenação estratégica ” para desenvolver uma relação especial ” com o Ocidente. Para começar, fazer um enorme esforço para desgastar a liderança dos EUA no mundo, fragmentar a União Europeia e inviabilizar algumas instituições aceitas como internacionais.
Com a bandeira da busca de investimentos chineses (russos ?!) e depois árabes para o Brasil, Lula, que achou pouco os US$ 50 milhões que os EUA ofereceram, vai tentar manobrar no tabuleiro, assinando acordos de papel nos campos da saúde, da educação, da tecnologia. O ministério da Agricultura organizou uma comitiva especial de produtores rurais e cooperativados para compor a delegação da agroindústria: negócios…
No campo da agricultura, a Rússia, que Lula pretende visitar mais tarde, tem o Brasil nas mãos com o fornecimento de mais da metade do fertilizantes que o agronegócio brasileiro necessita para amparar sua produção agrícola. Desde os anos oitenta, o Brasil vem tentando a auto suficiência no uso de adubos com a instalação de uma potente unidade NPK – nutrientes à base de nitrogênio, fósforo e potássio. E tem reservas minerais suficientes para isso. Optou, entretanto, no passado recente, por importar dos russos, cujos custos pareciam menores que os internos. Agora está engasgado com a invasão da Ucrânia, que tem no Brasil uma comunidade de cidadãos quase centenária.
Rússia e China juntos estão dispostos a estabelecer relações especiais novas com o Ocidente, via BRICS, onde os dois tomam decisão, como se estivessem no Conselho de Segurança da ONU. Mas, se querem um Brasil aliado e hegemônico na América vão ter ainda, por muito tempo, de combinar com os EUA e com a Argentina, em particular.
“That’s the guy”. Depois da Operação Lava Jato, Obama ficou confuso. Restou a compreensão. Ele também vem lá da província: “Adoro esse cara”. A seguir, posou de surpreso, depois de sentir-se ludibriado, como presidente dos EUA. Escreveu um livro para justificar-se diante da sedução sertaneja a que foi submetido pelas falas e pelo comportamento do nosso gabiru, uma espécie de Conselheiro do sertão, tipo o velho Antônio.
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Aylê-Salassié F. Quintão – 80, Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018
E autor de Lanternas Flutuantes: