De como pescar tubarões. Por Antonio Contente
… Um velho amigo, abastado advogado que possuía bela casa numa pequena praia entre Paraty e Ubatuba, me contou que conhecia um grupo de pescadores nativos especialistas na captura de tubarões. Mostrei natural curiosidade…
Aconteceu já faz um bom tempo, mais ou menos na época do lançamento do talvez mais famoso dos filmes de Steven Spielberg. Um velho amigo, abastado advogado que possuía bela casa numa pequena praia entre Paraty e Ubatuba, me contou que conhecia um grupo de pescadores nativos especialistas na captura de tubarões. Mostrei natural curiosidade, que só aumentou, aliás, com o sucesso que a película spielberguiana vinha fazendo. Demonstrei interesse em ir à pequena colônia dos intrépidos caiçaras; de fato, fui.
Assim é que fiquei conhecendo seo Guedes, um homem com mais de 80 anos e impressionante vitalidade a transparecer na pele curtida de sol. Revelei a ele minha condição de repórter, pedindo que me permitisse assistir a uma pescaria daqueles que muitos consideram os mais ferozes predadores dos sete mares.
— Tudo bem – o homem concedeu – eles estão aparecendo de monte além da ilha.
— E por que agora?
— Por causa das pescadinhas. Os cardumes andam abundantes e os peixões se alimentam delas.
— Ótimo – tentei ser espirituoso – se os tubarões gostam das pescadinhas, não há o menor perigo para nós outros, não é mesmo?
Na manhã seguinte, o dia D, eu estava animadíssimo; ao chegar no portinho tratei de subir para o maior dos barcos. Logo, porém, Guedes pergunta o que eu estava fazendo.
— Ora, vou pescar tubarões. Não foi para isso que o amigo me convidou?
— Mas não neste barco.
— Ué, não vejo outro por aqui.
— Lá – o experiente pescador aponta.
Fincando os olhos na embarcação de pouco mais de meia dúzia de metros, levantei as sobrancelhas:
— Lá? Naquilo?
— É nele que vamos sempre.
— OK, OK – ergui as mãos, resoluto – estamos aí…
Está claro que em tantos anos de andanças por vários litorais, sei de sobra que os que lidam com o mar são pessoas efetivamente resolutas. Assim chego perto do barquinho e, procurando demonstrar naturalidade, bato com o pé direito na borda. Comento:
— Ótimo. Esse é o tipo da embarcação que inspira confiança. Especialmente para a pesca de tubarões.
No que me viro, Guedes entrega uma espécie de arpão, comprido estilete de metal com ponta em flecha.
— Pra mim? – Levo a mão ao peito.
— Você pode precisar.
— No caso de cair n’água?
— Não, se você cair a ajuda que necessitará é outra…
— Uma faca?
— Negativo – o fulano aponta para o alto – daquele que está lá em cima…
Ora, ora – pensei – além de tudo Guedes tinha algo de gozador. Agora, no instante em que os outros pescadores chegaram com seus apetrechos comecei a ter algumas dúvidas. Olhei pro chefe da expedição:
— E isso aí? Será que cabe?
— Onde?
— No barco. É coisa e gente paca, meu. Qualquer tubarãozinho que dê uma cabeçada iremos a pique.
— Calma – Guedes sorriu – temos outro barco.
— Grande?
— Igual a este.
— E haverá mais gente?
Ao invés de responder o velho pescador me olhou no fundo dos óculos. Coloca a mão no meu ombro e me puxa para um canto.
— O amigo, por acaso, está com medo?
— Bem — me embaracei – não sei se é medo. Mas esse barco… Sei lá. Depois, tubarões… Tubarão é fogo, não é?
— A pior coisa que pode haver numa pescaria dessas é uma pessoa com medo a bordo.
— Por que? – Perguntei, sem nenhum tom de desafio.
— Porque a canoa pode virar – ele respondeu secamente.
— Pelo amor de Deus – enchi os pulmões de ar – quem está com medo? Além do mais, dividindo a turma em dois barcos é moleza.
— Como assim? – Guedes torna a me encarar.
— Você não falou que tem outro? Então, metade em cada um, certo?
— Mas o outro não é pra gente, é pro peixe. Como é que você quer que se traga os bichões?
Cocei a ponta do nariz e murmurei qualquer coisa. Meia hora depois, sentado na segurança de um quiosque na areia, latinha de cerveja na mão, vi o pessoal partir. E ainda tive a cara de pau de berrar:
— Perto de vocês o tubarão do Spielberg é uma bela merda!!!
_____________________________________________________________
ANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
___________________________________________________________________