sabedoria chinesa

A sabedoria chinesa. Por Antônio Contente

…Igual a muitas outras pessoas, não estou imune à mítica que se criou em torno da sabedoria chinesa. Muito disso se deve a livros e revistas, mas foi no cinema que o mito se cristalizou.

                                                       sabedoria chinesa

Igual a muitas outras pessoas, não estou imune à mítica que se criou em torno da sabedoria chinesa. Muito disso se deve a livros e revistas, mas foi no cinema que o mito se cristalizou. Os veteranos certamente lembram dos filmes do detetive Charlie Chan, um camarada que vazava sabedoria não só na forma de elaborar suas investigações como também nas frases que soltava. Mais na frente, a série Kung Fu era um arraso. O personagem chave, além de lutar artes marciais uma barbaridade, de quebra murmurava sacadas filosóficas sensacionais, geralmente utilizando-se de formidáveis metáforas. Algo me diz, no que se refere a isso, que o nosso recém eleito pela terceira vez presidente certamente não perdia nenhuma das películas da série. Aquela frase que ele soltou no segundo mandato a garantir que é preciso regar as jabuticabeiras com o mesmo empenho com o qual o plantador delas bebe água, me cheira a ensinamento do chinês interpretado por Keith Carradine. Só que o personagem televisivo exalava mais credibilidade ao largar suas sacadas.

Mas estou contando isso porque, conhecendo as pérolas do país das Muralhas através do cinema e da literatura, especialmente Pearl S. Buck, passei a alimentar enorme vontade de encarar em carne e osso um chinês que fosse mestre em boas frases sobre a vida e o mundo. Na minha época de repórter em São Paulo muitas vezes vaguei pelas ruas do bairro da Liberdade em busca de um china prenhe de ensinamentos em observações curtas e metafóricas. Confesso que a busca resultou infrutífera. A única vez em que cheguei mais perto de algo parecido foi quando, trabalhando em Santos, conheci o jornalista Nataru Kutaki, ainda atuante pôr lá, acho que no jornal “A Tribuna”. Ele formulava sacadas ótimas mas, descobri depois, não possuía nada de chinês. Era apenas um simpático nissei.

         — Do Japão eu não tenho nada e tenho tudo – me disse certa vez – Nada porque nasci aqui mesmo, perto do cais. E tudo porque sei comer com pauzinhos, adoro arroz papa com peixe cru e prefiro sakê à cachaça…

Recentemente tornei a chegar perto de desencavar um grande sábio da terra de Mao Tse Tung. Foi quando, em busca de identificação para umas preciosidades em porcelana, me informaram que em Joaquim Egydio, distrito de Campinas, existia um oriental que sabia tudo sobre o tema. Imediatamente passei à associá-lo ao milenar conhecimento dos mandarins, e logo imaginei que encontraria uma figura prenhe de belos ensinamentos. Assim foi que, levado pelo antigo sub-prefeito do charmoso local, meu amigo Jacy Rios, cheguei à casa de Chang Tai Ku. Claro, ele nominou de pronto todas as peças de porcelana que a ele levei. Mas, terminada a missão, eu queria achar um jeito de conduzir o homenzinho de olhos puxados a soltar frases encharcadas, gotejantes, úmidas de sabedoria. Falei disso e falei daquilo, porém nada. De repente, como começava a escurecer, murmurei que o dia vinha chegando ao fim e precisava ir. Imediatamente Chang Tai coçou a ponta do nariz e me olhou. Logo soprou, com tímida humildade:

         — Não pense na noite apenas como o fim do dia; sim, que ela é a véspera da luz de uma nova aurora…

Francamente, não sei se o chinês de Joaquim Egydio poderia ser e reencarnação de um daqueles das fitas de kung fu. Porém, até hoje, foi o melhor que consegui…

          _____________________________________________________________

Antonio ContenteANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

___________________________________________________________________

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter