Quando o petróleo chegar. Por Antonio Contente
…Na verdade começávamos a preparar o regresso à origem da pequena aventura pelo Atlântico amazônico quando o rádio, sintonizado em uma estação de São Paulo que transmite via satélite, noticiou que estavam prestes a começar os finalmentes da prospecção de petróleo nestas águas do Norte do Brasil….
Por instantes me senti como discípulo do capitão Ahab, aquele que o talento de Herman Melville fez perseguir a baleia Moby Dick. É que no convés do veleiro “Gaivota Azul”, ainda ancorado na enseada diante de Paquara, litoral do Pará, meu amigo comandante Carlos, o dono do barco, mostra a carta náutica aberta à sua frente, GPS ao lado revelando nossa exata localização. Na verdade começávamos a preparar o regresso à origem da pequena aventura pelo Atlântico amazônico quando o rádio, sintonizado em uma estação de São Paulo que transmite via satélite, noticiou que estavam prestes a começar os finalmentes da prospecção de petróleo nestas águas do Norte do Brasil. Ao ouvir que uma das bases que hospedarão as equipes de caçadores do chamado “ouro negro” será montada em Camaburú, olhei para o navegante. A quem disse, desligando o rádio:
— Acho bom irmos lá nos despedir do lugar. Porque depois que a esquema de exploração for montado, nunca mais aquela sossegadíssima enseada será a mesma.
Refeita a rota, ancoramos em Camaburú na manhã seguinte. Como a vilazinha se resume a apenas uma rua que acompanha parte do contorno da praia da enseada, fiz questão de descer sozinho para observar a área na sua hora de maior movimento. De pronto, anotei a passagem de três pessoas. Alongando o olhar, vi dois cavalos pastando entre os coqueiros. Adiante, em idêntico mister, um jumento e um burro. No outro lado, sob enorme mangueira, dormiam dois bois. No céu, escandalosamente azul, alguns tufos de nuvens absurdamente brancas.
A rua, principal por ser única, como já disse, acompanha a areia. Nela há cinco casas de alvenaria, todas as outras são de palha e barro. O comércio se resume a uma venda, não há luz elétrica e jamais circularam por ali veículos motorizados. Há pracinha com capela, perto dela maltratado campinho de futebol e, finalmente, logradouro com bem tratado coreto. Mais nada.
Na frente o mar, aberto e limpo, apesar de as águas ainda não estarem transparentes nesta época do ano. É que as torrenciais chuvas do longo Inverno amazônico derramaram enxurradas com muitas folhas e barro da floresta que fica logo atrás. Na pequena venda vou conseguindo anotar informações. Contam que os homens da Petrobras já andaram pelo pedaço, a bordo de um grande barco cinza, a cor da Marinha de Guerra. Um dos nativos com quem converso, aponta:
— Está vendo aquela casa de alvenaria ali em cima? É lá que os visitantes vão ficar. Estão reformando tudo, aumentando.
Subo a ladeira pouco íngreme e, ao chegar diante da residência, consigo observar que ela vai virar, para os padrões locais, um verdadeiro palácio. O mestre de obras me informa que trarão motor gerador de luz, além de fogão a gás, geladeira idem e muitos móveis, camas, beliches…
Como o imóvel foi construído sobre uma espécie de barranco, pode-se dizer que as janelas, rigorosamente, se abrem sobre o mar. No primeiro plano há um pedral, ou, se preferirem, colar de recifes nos quais as ondas altas batem a espalhar espumas. À direita, ao longe, bem ao longe, à noite pisca uma luz que observei nas viagens do passado. Trata-se de pequeno farol sinalizador que começa a funcionar automaticamente assim que escurece. Foi colocado lá pela Capitania dos Portos, faz anos, porque muitos navios mercantes ficavam presos nos bancos de areia. Contam a história de um que, inclusive, naufragou.
Voltando para o “Gaivota Azul”, constato, mais uma vez, que a escuridão ao cair do sol, aqui, se faz de forma rápida, compacta. Tudo fica um breu de repente, porém antes o crepúsculo, que chega a jogar sobre a superfície das águas rápidas tonalidades de vermelho, tem peso de melancolias e pressentimentos.
Foi no dia seguinte que resolvi esperar a noite em terra. Às últimas claridades, saio pela ruazinha e chego à praça. Ninguém, absolutamente ninguém. Para quebrar aquilo que eu classificaria de uma hora sem espantos, robusta galhinha e seus pintinhos atravessam a grama. No mar, um golfinho salta fora d’água.
Retomo o caminhar pela rua e, de repente, avisto um homem sentado sobre as salientes raízes de enorme mangueira. Bato no bolso da camisa pensando em oferecer um cigarro para puxar conversa, porém descubro que já faz um século que não fumo mais. Solto um boa noite e o camarada responde. Sigo andando, em busca do “Gaivota Azul”. De repente, no céu, começam a pipocar centenas, milhares, milhões de estrelas. Adeus, Camaburú. Tenho certeza que o “ouro negro” não vai clarear os teus dias. Pelo menos com a paz que, sem ele, se clareiam hoje…
_____________________________________________________________
ANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
___________________________________________________________________