ABANDONADOS

Ernest Shackleton

Abandonados e esquecidos. Por Alexandre H. Santos

…quem é leal não abandona. Ao contrário. Em uma das mais emblemáticas passagens desse ocorrido, um marinheiro doente e fraco já havia comido a pequena ração que lhe cabia. Vendo que o homem precisava de mais energia para recuperar a saúde, Shackleton lhe deu sua própria ração...

“Lealdade ao país, sempre. Lealdade ao governo, quando ele a merece.”

Mark Twain
ABANDONADOS
Ernest Shackleton – Expedição Endurance

Desde que soube da sua existência sigo atraído pelas notícias sobre a vida e a morte de Ernest Shackleton. Há mais de trinta anos entrei para o clube dos que o reputam como um dos grandes líderes do século XX. A grandeza da empatia e do respeito que o anglo-irlandês nutria e expressava por seus comandados tem escassa concorrência; chega a ser desumano querer compará-lo com “lideranças comuns”. Então nem falemos das chefias meia-boca, gerentes fanfarrões e capitães embusteiros.

A genialidade do Comandante já se pode perceber no anúncio que publicou nos jornais de Londres para atrair e selecionar seus marinheiros. Não cabe reproduzi-lo aqui, mas é histórico e os buscadores serão recompensados. Shackleton protagonizou um dos maiores desastres náuticos de que se tem notícia. O ano em que isso ocorreu, 1917, foi mais um severo agravante; já que os olhos do planeta estavam fixados no hemisfério norte. A Europa atravessava sua Primeira Guerra e já antevia a ressaca da Revolução Russa: ninguém estava interessado em um navio de aventureiros que ficara preso nas geleiras eternas da Antártida… “Eles que se virem sozinhos!

Shackleton não atingiu sua meta: chegar por terra ao centro do Polo Sul e cravar ali a bandeira da Inglaterra. Seu êxito foi outro – dentro de uma perspectiva humanista e ética, muitíssimo maior do que a encomenda. Após um ano do acidente, o Comandante conseguiu conduzir à terra firme, com vida, todos (sic) os seus colaboradores. São inúmeros os relatos biográficos dos que sobreviveram ao naufrágio do navio Endurance, e há unanimidade ao se apontar as principais virtudes do líder: coragem, empatia e respeito.

Os três parágrafos iniciais são uma breve introdução ao sagrado tema da lealdade: quem é leal não abandona. Ao contrário. Em uma das mais emblemáticas passagens desse ocorrido, um marinheiro doente e fraco já havia comido a pequena ração que lhe cabia. Vendo que o homem precisava de mais energia para recuperar a saúde, Shackleton lhe deu sua própria ração; mas não sem antes ordenar e fazê-lo jurar que não diria nada a ninguém…

Vou agora ao tema principal desse artigo: as pessoas que sofrem por terem sido literalmente esquecidas ou abandonadas por alguém em que depositavam confiança absoluta; os que padecem a dor de uma traição.

Não tenho apreço por quem desrespeita os princípios da vida republicana, quero dizer, por pessoas contrárias a Democracia. Na minha estatística chinfrim esses bárbaros podem ser separados em três escaninhos: no primeiro está a turma dos ignorantes ou dos psiquicamente enfermos; no segundo, as pessoas ingênuas ou bobinhas – se é que existem; e por fim, gente de má fé, alpinista e aproveitadora. Mas nada disso não me impede de reconhecer o calvário pelo qual está passando tanta gente autodenominada “patriota” ou, na visão de outros, patriotária.

Fico imaginando o efeito devastador causado pelo abandono total e completo desses prisioneiros e prisioneiras. Apoio? Nenhum! Solidariedade? Nenhuma! Fui particularmente tocado pelo vídeo gravado por uma advogada dos terroristas e viralizado nas redes. A jovem jurista, com voz embargada e olhos marejados, tenta nos sensibilizar para o cenário desolador da população dos terroristas nos cárceres da Papuda e da Colmeia, ambos no Distrito Federal. Esse cenário se replica em outras unidades prisionais da Federação.

Toda dor não curada tende a se converter em sofrimento. A dolorosa e humilhante condição de reclusas e reclusos em penitenciárias federais, só piora na medida em que cada uma dessas almas se sente traída. Um mínimo fio de consciência parece brotar dentro de cada qual – talvez o início do despertar para a dura e palpável realidade da cilada na qual caíram e do abandono em que se encontram. Quando despertam do pesadelo, a vigília lhes oferece um cenário ainda pior.

Acredito que produza um sentimento de impotência, tristeza e raiva, muita raiva, cada notícia que chega do “mundo fora do cárcere”, dos políticos e pastores que tanto predicaram e estimularam os atos terroristas, agora se locupletando na paz dos resorts de luxo ou brincando felizes-da-vida o carnaval…

A mim não surpreende a ausência de comunicação do ex-mito com seu rebanho encarcerado. Seu silêncio sepulcral apenas confirma o que já sabemos: ele não tem o que dizer. Sua atenção é a de sempre, e está focalizada nele mesmo e nos seus filhos. Tampouco estranho que os prepostos do ex, puxa-sacos de plantão, agora se finjam de desaparecidos.

 Talvez o sofrimento do abandono lateje mais do que a dor de estar numa prisão. É como me ensinou um adolescente bem-humorado: Se ex fosse bom, Deus não mandaria amar o próximo!

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Foto: @catherinekrulik

*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano como consultor, terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza atendimentos e workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..

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Contato: kari1954kari@gmail.com

 

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