O santo remédio. Por Antonio Contente
… alguns de seus moradores, mesma demonstrando ser portadores de ótima saúde, eram razoavelmente ligados num remédio. Segundo me contou o dono de uma fazenda, sempre que algum médico a serviço do governo pintava na área, faziam fila para receber xaropes, drágeas e poções…
No comecinho dos anos setenta certos rincões do interiorzão do Estado de S. Paulo profundo ainda, em certos aspectos, abrigava fauna humana que, pelas circunstâncias, parecia viver pelos meados do século dezenove. E eram pessoas rigorosamente vigorosas, muitas delas com bem mais de oitenta anos a galopar em cavalos velozes como o vento. Nesta época, a serviço do jornal Folha de S. Paulo, onde então trabalhava, andei por lá em parceria com o lendário repórter-fotográfico Gil Pasarelli, Prêmio Esso de 1968, a batalhar matéria sobre o que se chama agora de agronegócios. Numa região grudada a Turmalina que, ainda hoje, ostenta população de apenas algo como uns 2.000 habitantes.
Mas o que me chamou a atenção na localidade foi que alguns de seus moradores, mesma demonstrando ser portadores de ótima saúde, eram razoavelmente ligados num remédio. Segundo me contou o dono de uma fazenda, sempre que algum médico a serviço do governo pintava na área, faziam fila para receber xaropes, drágeas e poções.
— E pra que? – Eu quis saber.
— Bem, uns realmente usam. Mas a maioria guarda.
— Guarda? Temendo algo no futuro?
— Acho que não. Armazenam apenas para não deixar prateleiras vazias…
O meu colega Gil, apesar de não ser nenhum hipocondríaco, levava sempre um nécessaire com alguns medicamentos. E eu mesmo carregava minhas pílulas contra alguma dor de barriga, de cabeça ou enxaqueca de eventual ressaca. Certa manhã estava catando um Melhoral quando o gerente da fazenda se aproximou, apontando.
— E isso aí, pra que serve?
— Diarreia – ergui a caixinha.
Ele ficou olhando durante alguns segundos, depois indagou:
— Será que o amigo não tem aí alguma coisa para dores aqui? – Apontou para o próprio pescoço.
— Bem – respondi – se é torcicolo, não tenho nada. Mas o que você sente?
— Ah, dói tudo. No pescoço, pelos braços… Tem dia que é difícil sair da cama.
— E você já contou pro médico.
— Ih, faz tempo que ele não vem por aqui.
Ficamos calados alguns instantes. Até que, olhando nos olhos do rapaz, murmuro:
— Posso te falar uma coisa?
— O que?
— Eu não estudei medicina, é claro, sou apenas jornalista; porém estou vendo, pela tua cara, que você não está doente.
— E por que, então, dói tudo?
— Será que dói mesmo? – Indaguei, duvidando.
Melhor, porém, aconteceu no dia seguinte. No que o fotógrafo Gil pega umas pílulas para azia no seu pacotinho, o gerente logo se aproxima.
— E esse remédio? – Indaga.
— Ah, não é nada – veio a resposta.
— Será que não serve para dores?
— Que dores?
— Aqui – novamente a indicação do pescoço.
— Não, pra dor aí não serve não. É só para alguma coisa na barriga.
— Na barriga? Também sinto algo por aí. Será que eu não poderia tomar uma pílula?
— Bom – Gil vacila – acho que remédio não pode ser tomado assim, sem mais nem menos.
— Mas algo me diz que esse que o amigo tá tomando vai me fazer bem.
— E como é que você sabe?
— A cor da pílula. Acho que é algo dessa cor que vai me fazer ficar bom.
Daí em diante observo que o camarada parece que estava sempre à espreita. De tal forma como se eu e meu colega vivêssemos a ingerir coisas.
De resto, passados dois dias, depois do almoço, o gerente se aproximou de mim. Pergunta, assim na lata:
— Pra muita gente após a boia é sempre hora de remédio. Vai tomar o seu?
Peguei a mochila, retirei um vidrinho e mostrei:
— Isso?
— É – ele sorri – vai tomar, não vai?
— Pra te dizer a verdade, vou. Você quer um?
— Posso? – Os olhos dele brilham.
— Tudo bem – dou um sorriso – quem sabe será bom para a tua dor no pescoço.
Entreguei a pequena drágea e o camarada, rapidamente, engoliu. Em seguida peguei um pedaço de papel e embrulhei uma meia dúzia das pequenas cápsulas.
— Tome uma de três em três horas – receitei.
Pois bem, na mesma tarde fomos para uma fazenda vizinha e só voltamos dois dias depois. Assim que o gerente me viu se aproximou e, por pouco, não me dá um abraço. Murmura, com os olhos quase úmidos pela emoção:
— O senhor não imagina como estou bem, doutor. É um milagre, o remédio que o amigo me deu é um verdadeiro milagre. Nada mais de dor.
— Calma lá – atalhei – não sou doutor coisa nenhuma. Mas você está mesmo se sentindo bem?
— Parece que renasci de novo, doutor.
Surpreso, saí de fino e fui verificar se havia cometido algum engano. Mas não cometera não, o que dei de fato ao homem foi apenas algumas cápsulas do adoçante americano que eu usava para tomar café.
______________________________________________________________
ANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
___________________________________________________________________
Velhote, boa tarde.
Você anda à deriva da minha rota; não que essa minha picada seja o caminho dos deuses, longe disso, é apenas porque – ela é feita de silêncio e fortalece o mundo onde está minha alma.
Ainda escrevo para não morrer sufocado, escrevo só para mim , coisas simples aqui da Serra do Moquem. Ontem mesmo, nasceu o primeiro potro da estação de cria e, isso, não interessa a ninguém.
Como você tem expertise em coisas do amor, sabe, melhor do que ninguém, como guardar no espirito aquilo que não cabe ao comentário de outrem.
Assim vou indo, meu bom amigo, amando forte o que eu busquei, de resto, sinto pena do momento que vive nosso rincão. Ê um caminhar que respira ópio, um caminhar por caminhar.
Um beijo