Babylon – Um encontro de belos e condenados. Por Wladimir Weltman
… Apesar de uma grande fantasia cinematográfica, BABILON é na verdade a versão realista de CANTANDO NA CHUVA. Talvez por isso BABYLON não agrada a todos em Hollywood, mas aqueles que, como eu, amam o cinema, a história que Chazelle contou na tela, é genial…
Em março acontece a noite dos Oscars, o evento mais importante da indústria cinematográfica americana. Este ano a escolha de indicados e as possíveis premiações não está sendo uma tarefa fácil. Foi difícil para o pessoal dos Golden Globes e para nós dos Critics Choice Awards quando chegou a hora de votar nos indicados. Havia muita coisa boa para se ver e escolher.
Hoje, porém, resolvi falar de um filme que me falou ao coração e que deve ter o mesmo efeito nos diversos cinéfilos espalhados pelo mundo. Um filme que não obteve tantas indicações quanto o esperado, mas que agradou boa parte do público americano e da imprensa. Estou falando de BABYLON, do diretor Damien Chazelle.
Chazelle é aquele cineasta jovem que encantou a todos em 2016 com o filme LA LA LAND; um sucesso de bilheteria, que arrecadou mais de $ 430 milhões e recebeu 14 indicações de Oscars. E acabou levando os de Melhor Diretor (Chazelle), Melhor Atriz (Emma Stone), Melhor Fotografia, Melhor Trilha Sonora Original (Justin Hurwitz), Melhor Canção Original (“City of Stars”) e Melhor Design de Produção. O filme é uma ode de amor a Los Angeles e a indústria do entretenimento – a personagem de Emma era uma aspirante ao estrelato e a de Ryan Gosling a de um músico de jazz.
Não é de hoje que Hollywood adora um filme a seu respeito – Narciso eternamente apaixonado pela própria imagem. Não é à toa que ERA UMA VEZ EM HOLLYWOOD, de Quentin Tarantino, levou para casa dois Oscars em 2020 – Brad Pitt, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Design de Produção par Barbara Ling & Nancy Haigh; tendo obtido 10 indicações. THE ARTIST comédia dramática francesa de 2011 de Michel Hazanavicius e estrelada por Jean Dujardin e Bérénice Bejo; passado na Hollywood dos anos 20 e rodado como filme mudo em preto e branco, foi indicado a 10 Oscars e ganhou cinco – Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator para Dujardin, tornando-o o primeiro ator francês a vencer nesta categoria. E, não podemos esquecer meu favorito, SUNSET BOULEVARD (1951) de Billy Wilder (que teve 11 indicações e ganhou 3 Oscars – melhor roteiro, trilha sonora e direção de arte).
Assim mesmo, essa segunda incursão de Chazelle nessa direção não obteve os mesmos resultados de seu projeto anterior. BABYLON recebeu apenas uma indicação para os Oscars, na categoria de Melhor Trilha Sonora. Os Golden Globes indicaram o filme na categoria Melhor Coadjuvante (Brad Pitt) e Melhor Trilha Sonora (Justin Hurwitz), a categoria que acabou levando um troféu pra casa. E, nos Critics Choice Awards, Chazelle foi indicado como Melhor diretor e Margot Robbie como Melhor Atriz. Nenhum dos dois ganhou. Por que será?
Deixando de lado as possíveis alegações de esperteza na busca de premiações da galera votante de Hollywood, o fato é que quem ama a sétima arte e tem especial carinho pelo gênesis do cinema, BABYLON é um filme delicioso de se ver e curtir.
Pessoalmente amo o período histórico de Hollywood que o filme homenageia. Sou um guia turístico amador de locações e lugares históricos ligados a era do cinema mudo aqui em Los Angeles, onde figuras como Charles Chaplin, Buster Keaton, Douglas Fairbanks, Lilian Gish, Mary Pickford, Harold Lloyd e Gloria Swanson mandavam no pedaço.
Um tempo em que a criatividade voava alto e Hollywood não era nem um pouco careta, muito pelo contrário.
Para escrever seu roteiro, Chazelle mergulhou fundo nesse período histórico, baseando suas personagens em pessoas reais e situações factuais da época – por mais inverossímeis que possam parecer.
Quando se fala desse tempo costumam chamá-lo de “Os Loucos Anos 20”. Hollywood realmente era pouco convencional. O cinema dava seus primeiros passos e buscava a sua linguagem. A sociedade estabelecida, a turma da grana e do “High Society” via o cinema como negócio de imigrantes, gente de vaudeville, derelitos e agregados. E sua produção uma diversão de massas, coisa barata e preferiam manter-se afastados dela. Isso abriu as portas para os artistas, os loucos e sonhadores, ocupar esse espaço que crescia velozmente e rendia lucros inesperados. Com a mudança da produção cinematográfica da costa leste para Los Angeles, uma nova era do Oeste Selvagem (Wild West) surgiu ali.
Vejamos os casos reais que inspiraram Chazelle na criação do seu filme:
A personagem de Brad Pitt, Jack Conrad, se inspira em mais de um astro do cinema mudo. O mais obvio de todos é o chamado “Rei de Hollywood”, Douglas Fairbanks. Ele foi o primeiro astro de ação do cinema americano, tendo vivido na tela personagens como o ladrão de Bagdá, Robin Hood e Zorro. Casado com a “namoradinha da América”, Mary Pickford, o casal era a ‘realeza de Hollywood’. Mas a carreira de Fairbanks declinou rapidamente com o advento dos “talkies”. Seu último filme foi The Private Life of Don Juan (1934). Ele se afastou do cinema por vontade própria, desgostoso da produção cinematográfica dos primeiros anos do cinema falado. Os estúdios a prova de som, com microfones fixos, impediam a sua atuação essencialmente física do cinema mudo. Morreu 10 anos depois da
mudança, vítima de um enfarte.
Outro que inspirou Chazelle na criação da personagem de Brad Pitt foi o cowboy Art Acord (1890 – 1931). Acord realmente era um cowboy e campeão de rodeios. Durante a Primeira Guerra Mundial serviu na Europa e ganhou a “Croix de Guerre” por bravura do governo francês. Casou-se 3 vezes, com três diferentes atrizes. Nenhum casamento deu certo. Em 1928 sofreu um acidente doméstico que prejudicou sua visão. A bebida e a incapacidade de se adaptar aos filmes falados, acabou com sua carreira no cinema. Ele se suicidou em 1931, no México, tomando cianureto num quarto de hotel. Nenhum de seus filmes sobreviveu para que possamos conhecer seu trabalho na tela.
Já a personagem de Margot Robbie, Nellie LaRoy, é um amálgama de mais de uma estrela do cinema mudo. Estrelas que não conseguiram fazer a transição para o cinema falado como Vilma Banky, Mae Murray, Pola Negri e Norma Talmadge. Mas a mais parecida com a esfuziante personagem de BABYLON, é sem dúvida Clara Bow, a garota “it” de Hollywood, cuja reputação de selvagem, sexy e explosiva era o assunto favorito das revistas de fofocas.
Bow nasceu na pobreza, num cortiço de Nova York e ficou famosa, entre outras coisas, por ser capaz de chorar na hora que as câmeras focavam nela. Ao contrário das outras que se afastaram da tela por culpa do som, Clara Bow manteve sua posição de maior bilheteria de Hollywood mesmo depois da mudança. Sua derrocada foi emocional. Em 1930, com os filmes PARAMOUNT ON PARADE, TRUE TO THE NAVY, LOVE AMONG THE MILLIONAIRES e HER WEDDING NIGHT, Bow ficou em segundo lugar em bilheteria, perdendo apenas para Joan Crawford. Em 1931 continuou entre as atrizes de boa bilheteria, mas as pressões da fama, escândalos públicos e excesso de trabalho afetaram a frágil saúde emocional de Bow. Para se recuperar, afastou-se de Hollywood indo para um rancho em Nevada, seu “paraíso no deserto”.
Mas logo depois voltou e continuou a fazer sucesso em filmes falados. Ainda assim, decidiu aposentar-se definitivamente em 1933. Quando começou a apresentar sintomas de doença mental. Acabou sozinha num bangalô em Culver City, sob os cuidados constantes de uma enfermeira. Raramente saía de casa, até sua morte em 1965, aos 60 anos, vítima de um ataque cardíaco.
O filme ainda homenageia a atriz Anna May Wong (1905 –1961), com a personagem Lady Fay Zhu (Li Jun Li). De origem chinesa, apesar dos preconceitos raciais da época, Anna May Wong estrelou filmes como O LADRÃO DE BAGDÁ (1924) e mais tarde ao lado de Marlene Dietrich, SHANGHAI EXPRESS (1932). Conseguindo ter uma carreira na TV também.
Outra homenageada é Adela Rogers St John (1894 –1988), uma colunista que trabalhava para a revista Photoplay da década de 20. Em BABYLON, a maravilhosa Jean Smart interpreta a personagem Elinor St John, uma colunista de fofocas e que parece ser o grilo falante do filme, pois é usada em momentos importantes para sintetizar as mensagens subliminares da fita. A colunista da vida real era também uma personagem fascinante, apelidada de “a maior repórter feminina do mundo” nos anos 20 e mais tarde autora literária.
BABYLON cria um painel maravilhoso do período histórico em que a sétima arte engatinhava. Escrito e dirigido por um cinéfilo como eu, Chazelle constantemente se refere em BABYLON a um dos meus filmes favoritos dos anos 50, CANTANDO NA CHUVA. Curiosamente, quando assisti a esse filme pela primeira vez, me bateu uma certa ironia ao ver que a história minimizava o drama que representou para boa parte das pessoas que trabalhavam e viviam em Hollywood, a mudança do cinema de mudo para falado.
Todo um mundo artístico/profissional foi abalado. Para sobreviver (quem conseguiu), teve que se adaptar. Eu conhecia as histórias trágicas que essa mudança gerou. Histórias bem distantes do final feliz de CANTANDO NA CHUVA. Ou seja, muita gente ficou literalmente na chuva, sem guarda-chuva e sem nenhuma vontade de cantar… Apesar de uma grande fantasia cinematográfica, BABYLON é na verdade a versão realista de CANTANDO NA CHUVA.
Talvez por isso BABYLON não agrada a todos em Hollywood, mas aqueles que, como eu, amam o cinema, a história que Chazelle contou na tela, é genial. Aproveito aqui uma citação da colunista real de Hollywood, Adela Rogers St John e que a jornalista Megan McCluskey postou recentemente:
“Hollywood era uma favela dourada com enfeites cobrindo o drama e os corações partidos, num encontro de belos e condenados.”
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WLADIMIR WELTMAN – é jornalista, roteirista de cinema e TV e diretor de TV. Cobre Hollywood, de onde informa tudo para o Chumbo Gordo
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(DIRETO DE LOS ANGELES)