A doce e sedutora preguiça de pensar. Por Alexandre H. Santos

… jamais o pensamento crítico foi tão necessário e urgente. E, entretanto, nunca o critério da dúvida teve inimigos tão poderosos. O que mais fizeram o ex e seus negacionistas foi alabar e estimular entre nós a paralisia mental, a preguiça de refletir, o medo de duvidar…

“Porque refletir dá trabalho, muita gente prefere a preguiça.”
Kari Hachin

preguiça

Talvez seja um problema meu. Digamos, um bloqueio inconsciente ou quiçá alguma sorte de limitação. Mas confesso minha dificuldade de ter empatia com a expressiva fatia de eleitoras e eleitores tupiniquins que votaram no “Já-foi”. Ainda assim, sou levado a reconhecer a extremamente bem-sucedida estratégia da extrema-direita de vender sua margarina, digo, o produto ex, a um público consumidor carente de “ordem” e ansioso por “progresso”…

A aversão ao atual é mais fácil de entender, tem longa história. Desde sua fundação o PT foi demonizado pela grande imprensa; em alto grau devido a paranoia do perigo comunista e ao ativismo agressivo dos seus membros-raiz, lá na virada dos anos 80   – ativismo este, em vários aspectos, similar ao dos atuais adoradores do ex. Só com a versão Lulinha Paz e Amor é que os petistas conseguiram superar a resistência da conservadora classe média e literalmente crescer – a ponto de se tornar, então, o maior partido político da América Latina. A embalagem light, de coloração reformista, ajudou o PT a emplacar quatro mandatos presidenciais sucessivos.

Bem, a fatura desse atrevimento chegou e é História; todos sabemos, a conta foi exorbitante. O mensalão, a Lava-Jato, a prisão de Lula e o exitoso golpe contra Dilma comprovam a gigantesca competência dos EUA para solapar e destruir quaisquer experiências democráticas de matiz popular ou “socialista” que ocorram no seu quintal, quero dizer, do México à Terra do Fogo. Isso, evidentemente, com o dócil e total apoio dos grandes grupos econômicos nacionais. As imagens do PT como partido corrupto e de Lula como político ladrão, turbinadas por redes sociais especializadas em triturar reputações, se disseminou pelo país com a velocidade da luz. A brigada do ódio soube surfar na onda que criou e deu no que deu; deu no nefasto período de desgoverno do ex.

A sofrida e apertada vitória da frente republicana, unida em torno de aspirações democratas e da luta antifascista, nos revelou o Brasil que muitos ainda preferem não enxergar. O fato de que quase metade das patrícias e patrícios votantes preferiu o ex, contradiz o estereótipo do “brasileiro alegre”, tido e consentido como alguém cordato, liberal e pacífico. E aliás, diga-se de passagem, apesar de sermos também (sic) assim, os últimos anos nos obrigaram a atualizar e expandir o perfil de bonzinhos. Fomos estimulados a tirar do armário e assumir à luz do Sol nossa metade-barbárie. O discurso fascista do ódio e da intolerância para com as diferenças está presente, de forma explícita ou velada, em incontáveis casos de violência ocorridos de norte a sul, ontem, hoje e amanhã. Esse escancarado encanto pelos dogmas pentecostais, pela posse e uso das armas, pela força bruta e a rígida disciplina militar – nem falemos da ditadura! – demostram que nós brasileiros sabemos ser primários, toscos e cruéis.

Até os cegos conseguem ver que o país desunido e doente. Só em lugares com notória insalubridade o egoísmo e a indiferença diante dos dramas alheios se sobrepõem a empatia e a solidariedade. A repetida expressão de Hannah Arendt, a banalização do mal, pode ser confirmada nas ruas centrais de qualquer das cidades brasileiras; como se a miséria do próximo fosse unicamente do próximo; como se não me dissesse respeito… Perguntei outro dia a uma seguidora do ex se estava acompanhando as terríveis notícias sobre o calvário dos Yanomamis. A mulher empinou o nariz e me devolveu outra pergunta: os yanomamis que vieram famintos e doentes da Venezuela?

É um enorme desafio atual decidir em qual notícia acreditar. O único anticorpo eficaz contra a insanidade causada pelas fakenews diárias é a reflexão crítica de tudo o que se lê, se ouve e se assiste. Quer dizer, jamais o pensamento crítico foi tão necessário e urgente. E entretanto, nunca o critério da dúvida teve inimigos tão poderosos. O que mais fizeram o ex e seus negacionistas foi alabar e estimular entre nós a paralisia mental, a preguiça de refletir, o medo de duvidar.

Nos últimos quatro anos o pensamento crítico foi tratado pelo Estado brasileiro como ferramenta comunista para dominar o mundo. Por isso, o histórico do Ministério da Educação sob o desgoverno do ex se tornou balcão de negócios ilícitos. Houve nesse período mais negociatas do que ensino, mais corrupção do que aprendizado. E apesar de todos os pesares o Brasil foi mais forte do que o absoluto despreparo dos quatro-ministros-em-quatro-anos.

Só idiotas reagem com fúria diante do saber, da ciência e da cultura. Apenas ignorantes desconhecem que Paulo Freire tem a estatura de um Sigmund Freud. Não dá para levar a sério quem critica a obra do pernambucano sem nunca a ter lido. É por ser pura empatia e solidariedade que Freire desconcerta criaturas como o ex, que são binárias, incapazes de sentir a dor do próximo e têm enorme preguiça de raciocinar. Tudo bem, refletir não é algo assim tão fácil; mas, cá pra nós, é simples e vale a pena tentar!

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Foto: @catherinekrulik

*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano como consultor, terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza atendimentos e workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..

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Contato: kari1954kari@gmail.com

 

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