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O Brazil não conhece o Brasil. Por Wladimir Weltman

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… Como já dizia Aldir Blanc e Maurício Tapajós na sua canção QUERELAS DO BRASIL, o Brazil não conhece o Brasil; o Brazil não merece o Brasil; o Brazil tá matando o Brasil…

Qual é o problema com as séries de streamings brasileiras? Quem fez essa pergunta e tenta respondê-la em seu artigo, é o jornalista Daniel César do site TV x TV. Eu a li no Facebook, através de uma postagem do grande autor de novelas e jornalista Agnaldo Silva, diretamente de Lisboa. O texto sobre o fracasso de séries produzidas pelas streamings no Brasil suscita uma discussão válida para quem acompanha o mercado audiovisual brasileiro.

 

Segundo Daniel, a Netflix:

“Quanto mais ganha assinantes, menos o serviço parece conseguir repercutir e atingir os telespectadores brasileiros com as séries nacionais (produzidas por eles). Não importa o que é produzido e colocado no catálogo, se tem o selo de brasileira é solenemente ignorada”… “Num país em que a Globo domina a dramaturgia, atingindo 100 milhões de pessoas por dia, alcançar um público de 20 milhões é relevante. Acontece que basicamente nenhum produto nacional chega a sequer 10% dos assinantes da Netflix no país, o que mostra que não há qualquer interesse nos produtos”.

Mais adiante ele sugere que o problema é na escolha do que produzir:

”Se a Netflix tem uma visão de sucesso global, como aconteceu com Round 6, no Brasil a visão da direção é artificial. A empresa acumula aprovações de séries que não são dramaturgia, mas teses de doutorado em sociologia. Autores incapazes de criar conflito, porém prontos para apontar e defender causas se acumulam. Para o sucesso falta o básico: dramaturgia de qualidade.

Enquanto a empresa investir na forma ao invés do conteúdo, na lacralândia ao invés do conflito, ela jamais sairá da bolha minúscula das redes sociais. Não veremos tão cedo séries na boca do povo porque não há o que se comentar na rua. A esperança é a última que morre, mas já está morrendo.”

Será esse o problema? Pois recentemente, quando estava escrevendo dois projetos de seriados, que agora buscam penosamente o sinal verde das streamings no Brasil, convidei um colega da Globo que tem alcançado sucesso escrevendo exatamente para as streamings, para entrar comigo na empreitada. Ele agradeceu o convite, mas declinou. E me respondeu que havia lido os projetos e que achava ambos “muito bem estruturados e bem apresentados…”, mas o motivo para não embarcar era o seguinte:

“Confesso que não estou empolgado em fazer seriados no momento. Minha questão com o streaming hoje é uma só: as equipes que aprovam os conteúdos. Você tem que lidar com uma molecada millennial que não entende nada de dramaturgia, nem do negócio, e só enchem o saco. Pedem para reescrever bíblias dezenas de vezes e só pioram o material original dos autores. Há lá um excesso de palpiteiros e especialistas de manual, de gente que acha que entende de filmes e séries apenas porque assiste 40 horas de TV por dia. Ainda não entenderam que ninguém aprende a fazer TV por osmose, no sofá de casa, ou assistindo filme pelo celular. Tenho quase trinta anos de experiência em roteiro e produção, milhares de horas em sets e mesas de leitura, entendo de público, mas quem vai aprovar o seu projeto acha que entende mais do que você só porque maratonou novela turca no final de semana. Não dá. (…) Estou neste momento passando por uma questão delicada em uma consultoria para um deles, justamente em um projeto de seriado. Eu me arrependi de ter aceitado este trabalho. Já me estressei demais com as exigências de representatividade, pauta progressista, e tudo o mais. Só se preocupam com isso porque é assim que demonstram algum poder, alguma função, e justificam seus salários. Liguei o foda-se há muito (…) Já cheguei a dizer para um desses gerentes de conteúdo que eles não querem autores e nem roteiristas de verdade, eles querem digitadores com cursinho de roteiro, aquela gente que utiliza a lacração para esconder a falta de talento. Então, que fiquem assim. Quando os produtos brasileiros começarem a naufragar – e naufragarão, porque não há como esse modelo dar certo – talvez voltem a me procurar. Enfim, tudo isso para dizer que por mais que o seu projeto seja realmente interessante, não tenho realmente ânimo de embarcar. Não quero ficar discutindo cena a cena com quem acha que o mais importante é que “precisamos de um personagem LGBTQ importante até o terceiro episódio”. (…) Seu projeto é bom, cara. O problema é que quem irá avaliá-lo não tem capacidade, experiência, talento, e cabeça aberta o suficiente para perceber o quanto ele é bom. E, preciso dizer, ainda que você emplaque seu projeto sinto canseira só de imaginar a pedreira que enfrentará dali para a frente. Sendo bem sincero, não invejo NINGUÉM que esteja com algo no ar lá hoje”.

Para além da crítica do jornalista da TV x TV, esse depoimento sincero de um autor que sofre dia a dia a relação com os executivos das streamings, na sua maioria um pessoal mais jovem, com pouca experiência na produção de TV brasileira e muita, excessiva influência dos métodos e mentalidades de produção estrangeira – leia-se EUA – com pouca sintonia com os interesses, gostos e peculiaridades das plateias nacionais, fica a nítida sensação que esses executivos estão ansiosos por fazer seu produto palatável aos seus chefes na matriz, mas esquecem que o principal alvo dos produtos é o público, e aí incorrem em erros fatais no que diz respeito a criação de conteúdo de qualidade e que conquista audiências.

Outro aspecto lamentável da questão e que demonstra a “miopia” desses executivos, é não confiar no taco dos profissionais mais tarimbados e que estão sobrando no mercado nacional.

Com o verdadeiro “tsunami” que assolou os canais de televisão aberta nos últimos anos, após a chegada das tevês a cabo, das streamings e da Internet em geral; e que vieram roubar o público e os anunciantes, diminuindo os rendimentos das tradicionais emissoras de TV; um imenso contingente de excelentes profissionais de repente foi parar no meio da rua. Roteiristas, diretores, produtores e até atores, gente que há anos divertia e se comunicava com as plateias brasileiras com sucesso.

E esses executivos que estão no comando das tevês a cabo e das streamings, a que se refere o meu enfurecido amigo como “millennial”, hoje optam por contratar jovens talentos inexperientes, mas promissores e “lacradores” como eles, em detrimento ao imenso contingente profissional experiente, mas que foi jogado fora. Talvez por achar que eles são incapazes de produzir produtos audiovisuais alinhados ao exigente mercado audiovisual atual.

Se pensam assim, estão equivocados. Essa turma conhece o “pulo do gato”. Eles entendem o brasileiro que fica do outro lado da tela. E tem histórias maravilhosas, bem brasileiras, para contar e que agradarão a todos no Brasil e no exterior. E se as empresas não os querem escrevendo, deviam pelo menos pensar em contratá-los como analistas de projetos e conteúdos, pois essa gente entende do riscado. Erraram até aprender como se faz. Algo que só se aprende fazendo.

Se o lance é maratonar a produção estrangeira para aprender, sugiro que assistam as produções argentinas, porque eles criam conteúdo com maestria sem deixar de ser argentinos, muito pelo contrário. As histórias argentinas falam de personagens argentinos, imersos na realidade de lá, sem dar atenção a formatos americanos. E dá certo. Os coreanos, franceses e espanhóis, também. Só o Brasil quer ser mais gringo que os gringos. Como já dizia Aldir Blanc e Maurício Tapajós na sua canção QUERELAS DO BRASIL, o Brazil não conhece o Brasil; o Brazil não merece o Brasil; o Brazil tá matando o Brasil.

PS: se quiserem dica de grandes autores de TV brasileiros, posso fornecer uma baita lista de nomes; gente com quem trabalhei e que conheço e valem ouro.

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WLADIMIR WELTMAN – é jornalista, roteirista de cinema e TV e diretor de TV. Cobre Hollywood, de onde informa tudo para o Chumbo Gordo

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(DIRETO DE LOS ANGELES)

 

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