ACORDOS - SUR

Acordos argentinos. Por Aylê-Salassié Quintão

O calote que pode vir do "sur"

… Essa história de moeda comum (sur) pode custar caro aos brasileiros, como ocorre com o Paraguai, em Itaipu, que opera com um referencial monetário comum. Em reais, o Paraguai deve R$ 9 bilhões ao Brasil só de consumo da energia de Itaipu. Na América Latina, diz Pessoa, desejamos sempre arrumar um inimigo, não para fazer guerra, mas para esconder a incompetência”…

ACORDOS - SUR

“Alguém tem alguma dúvida de que a Argentina dará um calote em sur ?!” Novidade ou novo desafio? Assim aconteceu, de maneira parecida, com a invasão da refinaria da Petrobras na Bolívia, com os financiamentos do Brasil à Venezuela, à Cuba e para alguns países africanos destinados a obras que teriam sido realizadas por ali. O alerta é do economista da Fundação Getúlio Vargas, Samuel Pessoa, em artigo publicado neste fim de semana no jornal Folha de S. Paulo. A boa vontade em ajudar a Argentina está sugerindo, entre outras iniciativas, a instituição de uma moeda comum para financiar o comércio bilateral. “Terminará em animosidade!”, profetiza Pessoa.

Confesso que levei o maior susto com a advertência do economista uspiano (USP). Considerando que já existe um mecanismo chamado Convênio de Pagamento de Créditos Recíprocos (escritural), usado pelos bancos centrais dos países. A Argentina tem sabidamente um histórico dramático de calote para liquidação de suas dívidas, internas e externas. Essa história de moeda comum (sur) pode custar caro aos brasileiros, como ocorre com o Paraguai, em Itaipu, que opera com um referencial monetário comum. Em reais, o Paraguai deve R$ 9 bilhões ao Brasil só de consumo da energia de Itaipu. Na América Latina, diz Pessoa, desejamos sempre arrumar um inimigo, não para fazer guerra, mas para esconder a incompetência”. Investe-se na memória curta dos cidadãos.

Moeda comum não é o mesmo que moeda única. Os países escolhem usar uma mesma referência monetária em suas negociações comerciais e financeiras, não são bem como uma divisa circulante na economia cotidiana, como é o caso do real e do peso.

As importações, exportações e demais negociações entre as autoridades financeiras passam a ser feitas com base no valor da moeda comum. A ideia é livrar os dois países do dólar norte americano como padrão de referência. Ora, é preciso de lastro econômico para isso. Se a economia não tiver esse suporte, o comércio bilateral vai dar a impressão de um retorno ao velho escambo, relação de troca de mercadorias, e resultar em muito prejuízo para um ou outro.

As duas economias não são tão virtuosas. No Brasil, o déficit público é maior que o PIB de vários países do continente. Na Argentina, a inflação fechou o exercício de 2022 em 95% e a taxa de câmbio oficial em 184 pesos para a compra de um dólar. No mercado livre(negro) um dólar compra 382 pesos. São sinais de que a confiança na economia argentina é uma das mais baixas no mercado internacional.

É essa mesma economia que, segundo o presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva, está apresentando “resultados positivos”. O aval foi dado ao discursar na reunião da ressurreta Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em Buenos Aires, que reuniu 33 países do hemisfério na última semana. A economia argentina é governada por seu aliado Alberto Fernández, o único chefe de Estado a visitar lhe na prisão em Curitiba. Sua retórica paradoxal está também em campo para defender a democracia, embora em plena campanha para descaracterizar como ditaduras os regimes de Cuba, Venezuela e da Nicarágua.

O país portenho atravessa uma crise econômica e política explícita e confusa. A vice-presidente de Martinez, Cristina Kirchner, foi condenada pela Justiça a seis anos de prisão. Quase que concomitante, a Argentina teria concedido à China, na província de Neuquén, sem consultar a nenhum vizinho, uma área na estepe da Patagônia, de 200 hectares, para instalação de estações espaciais. Funciona quase como um enclave soberano, onde vigora a lei chinesa, circulam trabalhadores e cientistas chineses, usam o mandarim e obedecem a uma autoridade militar chinesa, revelou reportagem da agência Reuters.

Num roteiro de ambiguidades políticas em Buenos Aires, o presidente brasileiro, na sua primeira viagem ao exterior,  manteve uma série de encontros bilaterais com chefes de governo e representantes da Comunidade Europeia (UE) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação(FAO).O que foi dito não se sabe. As reuniões ocorreram à margens da 7ª Cúpula dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos.

O presidente do Uruguai, Luís Lacalle, que também teve um encontro com Lula, concluiu que a ideologia e a retórica não ajudarão a recuperar economia nenhuma. Está sacando qual é a do Brasil – quer ser reconhecido mundialmente como líder da América Latina, com essa história de abrir os cofres do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para os vizinhos. Ele sabe que o Brasil não tem essa disponibilidade toda. Daí, disse, preferir optar por um acordo de comércio direto com a China, ao invés de continuar amparando a economia do seu país em dois vizinhos macroeconomicamente instáveis.

A decisão unilateral do Uruguai, cuja economia é atualmente uma das mais equilibradas do planeta, bate de frente com os acordos do Mercosul. Contudo, já circula uma – inconfessa – conclusão entre parceiros de que “Se é para tirar vantagens comerciais, locupletemo-nos todos”. Como a economia da China baseia-se em mão de obra e matéria prima barata, é bastante duvidosa a extensão de um acordo desses para o Brasil. Pior ainda seria para a Argentina. Pode causar desmoronamentos nos sistemas produtivos nacionais e, quem sabe, até levar o Mercosul a um desastre total.

Os governos precisam ficar atentos ao que estão negociando entre si. Estão açodados… A moeda comum, seja analógica ou digital, tentada no passado (austral), por uma Argentina em colapso econômico (2001), já sinaliza que não será solução para as crises de brasileiros e argentinos, ambos gastadores populistas endêmicos das divisas do Estado; se não resultar no financiamento, pelos brasileiros, dos déficits públicos argentinos.

Fernando Henrique Cardoso, quando presidente, quase caiu numa conversa dessas, ouvindo atento o esperto ministro da economia argentina, Domingo Cavallo, com seu Plano de Convertibilidade, que estabelecia a paridade de um para um entre o peso e o dólar. Veja-se o tamanho da pretensão.

Não é só no futebol. Cavallo foi demitido logo depois por incompetência.

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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

 E autor de Lanternas Flutuantes:

Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
Tailandês – Loi Kathong (ลอยกระทง) 

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