Yanomamis

Povo Yanomami - atingido por doenças e fome

Tragédia dos Yanomamis. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão

… CHOVEU DINHEIRO VIVO NO PLENÁRIO DA CÂMARA …

Cacique Juruna mostra dinheiro – propina que latifundiários rurais tentavam passar a ele, com o fim de quebrar a resistência contra o avanço das chamadas frentes pioneiras da agropecuária e da mineração

De repente choveu dinheiro vivo no plenário da Câmara. Eleito deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro, o cacique xavante Mário Juruna, injuriado, subiu à tribuna, abriu uma maleta preta cheia de dinheiro, e a despejou sobre os colegas parlamentares. Era propina que latifundiários rurais tentavam passar a ele, com o fim de quebrar a resistência contra o avanço das chamadas frentes pioneiras da agropecuária e da mineração que avançavam pelo Centro-Oeste, penetrando a Amazônia, e invadindo terras consideradas devolutas.

Era um exército de homens montados já em tratores, escavadeiras, equipamentos para serem usados naquelas atividades primárias, acobertados pelos próprios governos, a título de modernizar o sistema produtivo e explorar as riquezas naturais. Iam devastando territórios e populações nativas à sua frente, desqualificando práticas agrícolas de subsistência, culturas indígenas e introduzindo doenças desconhecidas. A gripe, doença de branco, sempre foi um desastre por ali.

Ao desembarcar, na última  semana, em Boa Vista, Roraima, um dos territórios brasileiros com maior concentração de cidadãos  indígenas, em sua maioria, da nação  Yanomami, ao mesmo tempo um dos mais depredados pelas frentes de garimpo, de desmatamento  e da agricultura ilegais do País, o presidente Luís Inácio Lula da Silva surpreendeu-se com o estado de abandono da população e enxergou uma calamidade pública, uma tragédia no campo da saúde, segundo ele mesmo. Seis doenças graves espalhando-se endemicamente pelas comunidades índias enraizadas ali – hanseníase, tracoma, filariose, esquistossomose, oncocercose, gel-helmintíases – sem adequado atendimento médico e sanitário.

 Não bastasse, concomitante, o Covid, levado pelos brancos garimpeiros, havia matado 1.207 índios e contaminado 59.234 outros, conforme dados do   Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena. A malária, endêmica, infecta a região e já há registros dos dois últimos anos de 11.500 casos. Mais gritante ainda era a morte de 507 crianças, sobretudo por falta de alimentação e de atendimento médico. Por recomendação do Presidente, a nova ministra da Saúde, a sanitarista Nísia Trindade, participando da comitiva, declarou “Emergência sanitária” no Estado.

Esse descaso, aparentemente calculado, desqualificou a FUNAI (Fundação Nacional do Povos Indígenas) como única instituição de tutela da comunidade índia brasileira, hoje representada por quase 900 mil indivíduos, distribuídos entre 200 nações nativas. A análise da política indigenista, na Comissão de Transição, e as situações dramáticas a que remeteram, levou o novo Governo a criar, enfim, um   Ministério dos Povos Indígenas, para tratar exclusivamente dos problemas dessas populações, que se arrastam por 500 anos. Designou ministra a índia Sônia Guajajara, nascida na terra indígena de Araribóia, no Estado do Maranhão, graduada e pós-graduada em Educação Especial, e eleita, pela “Time”, em maio passado, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela participação também no programa de Florestas Tropicais da ONU.

A terra Indígena Yanomami, localizada no extremo norte do Brasil, na divisa com a Venezuela, ocupa uma área  de 9.6 milhões de ha., abriga uma população de 35 mil indivíduos, espalhados em 200 aldeamentos localizados nos municípios de  Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira, Alto Alegre, Mucajaí, Caracaraí e Iracema .

Assustado com o tamanho do problema, comprovado pessoalmente na visita à Casa de Saúde Indígena (Casai), o Presidente proclamou: “Acabou o garimpo ilegal!” e, logo depois, anunciou que o Brasil iria perseguir o desmatamento zero na Amazônia.

A  ministra Sônia Guajajara, mal instalada ainda no novo Ministério, completou, anunciando um programa de ajuda àquelas comunidades indígenas,  representado pelo desembarque ali, esta semana (já começou), de equipes de saúde, agentes do SUS, da Força Nacional e da Polícia Civil,  médicos e técnicos  militares para operar um Hospital de Campanha, 200 caixas com alimentação  para crianças e o deslocamento para a região de  50   pequeno aviões  e helicópteros para  transportar  índios  necessitados   de atendimento  imediato.

E assim, a população indígena brasileira inicia o ano de 2023 na expectativa de ter um lugar ao Sol, no seu próprio território de origem. O programa de demarcação das terras indígenas no Brasil, interrompido na gestão anterior de governo, para estimular o agronegócio, deverá ser reiniciado.

Seria o fim da linha da agressão contra as populações nativas? Espera-se.

A história da chamada descoberta e colonização do Brasil deixou uma enorme rastro de sangue indígena pelo caminho e um profundo desrespeito pela cultura, pela terra e pela vida desses cidadãos enraizados. As terras férteis   das comunidades indígenas – fala-se agora dos Yanomamis – foram sempre invadidas por aventureiros, garimpeiros e, nos últimos anos, pelos tais arrozeiros. Tudo vem se dando, até então, com a destruição de territórios indígenas milenares.

No passado, não tão longínquo, para tirar os índios das próprias terras, no Maranhão, fazendeiros fizeram doação de roupas para os guajajaras contaminados com o vírus de gripe.  Morreu metade da tribo. Cotrim Neto, um jovem sertanista paraibano, encarregado da remoção de grupos parakanãs do caminho da estrada Cuiabá -Santarém conseguiu concluir sua missão, mas pediu demissão da Funai. por discordar da violência empregada contra os índios.

 Apoena Meireles, outro jovem sertanista, foi assassinado por sua defesa intransigente dos xavantes da Terra indígena Pimentel Barbosa, Mato Grosso, e dos índios isolados conhecidos como cintas largas. Em missões semelhantes, para a abertura da rodovias Manaus-Caracaraí, Manaus-Rio Branco, da Transamazônica, foram mortos em confrontos centenas e índios e sertanistas – Gilberto Rodrigues, padre Caleri – em particular no Pará e no Amazonas. No Mato Grosso, jovens índios da nação guarani kaiowá começaram a se suicidar, desiludidos com as promessas da Funai de demarcar as terras indígenas e de protegê-los. Vários chefes foram assassinados.  Os ataques aos povos originários no Brasil nunca pararam. Em 2022, 176 indígenas foram assassinados no país; 182 em 2020.

A questão da saúde indígena é apenas um dos problemas dessas comunidades que se arrastam no tempo. Instituído em 1910, o Serviço de Proteção aos Índios foi ineficiente para tratar da questão. O médico sanitarista Noel Nutels morreu angustiado com o tamanho do problema. A FUNAI, criada nos anos 70, assumiu o compromisso que não cumpriu, passando a responsabilidade para outro órgão, a Fundação Nacional da Saúde (FUNASA), que se enredou em problemas de corrupção. O Estatuto do Índio (Lei 6001-73), deu duas opções: preservá-los nas próprias condições ou integrá-los à sociedade dos brancos.

Enfim, saúde, indigência, demarcação de terras e proteção das populações indígenas são alguns problemas insolúveis deste País.

Mas Juruna deixou herdeiros. O índio não está só. A negligência dos governos já foi denunciada nas Nações Unidas e até no Tribunal Penal de Haia (Holanda).

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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

 E autor de Lanternas Flutuantes:

Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
Tailandês – Loi Kathong (ลอยกระทง) 

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