Não chamem mais o seu nome. Por Marli Gonçalves
Passamos mais de quatro insuportáveis anos ouvindo todos os dias o tal nome falar alguma bobagem, fazer uma grosseria, atacar a inteligência, a Ciência, minorias, o que viu pela frente. Ouvindo o nome ser dito, denunciado, e nada ser feito. Chega. Não façam mais propaganda dessa marca. Estamos fazendo o jogo dele, que é manter o nome no ar, que se torna irrespirável a cada lembrança do tempo que destruiu, dividiu, atrasou, perturbou e arrasou a nação.
Ele vai tentar aprontar muito ainda. Não tem limites. Nunca teve, lembrem. O jogo é claro, e tudo o que está acontecendo parece exatamente na medida do que o tal nome pretende: continuar no Brasil sem estar no Brasil de corpo presente. Sendo citado, mesmo que atrelado ao pior, que é mesmo o que pensa e como age e manipula. Ele não tem escrúpulos, e isso é visível até mesmo entre os seus eleitores, ou apoiadores, digo, citando apenas aqueles que ainda merecem de nós algum respeito. Pessoas que existem e precisam ser respeitadas pela opinião; não são aqueles vândalos golpistas uniformizados de verde e amarelo que tentaram destruir a democracia a porrada, porretes, babas, nem foram acampar em quartéis. Apenas votaram e perderam a eleição, apostando no tal nome, em quem de alguma forma acreditavam, ou apenas não queriam o principal adversário. Devemos contar com eles para preservar a democracia. Nem sempre ela estará atrelada apenas a dois lados, como tão tristemente vem acontecendo há algum tempo. Haveremos de conquistar novamente a diversidade também nesse ponto.
Em comunicação isso é muito claro, repetição é marcante – alguém por favor alerte o atual presidente dia e noite sobre isso. O tal nome não quer sair do ar, e está provocando e conseguindo isso de uma forma inequívoca nesses primeiros dias de autoexílio, mais conhecido como fuga, nos Estados Unidos, onde até já montou um cercadinho no berço de uma terra onde a extrema direita tem a sua cara, seu jeitão. De lá, o tal nome comanda as suas turbas, se fazendo de inocente, comendo com as mãos alguma coisa gordurosa nas lanchonetes das esquinas. Cria as notícias. É claro que o tal nome está por detrás dos malfeitos e precisará ser punido, mas talvez a cilada seja citá-lo também em cada coisa que se tenta arrumar, melhorar, reorganizar. Frases nas quais nem precisa citar o tal nome – todo mundo já sabe de cor e salteado quem foi o anterior, o malfeitor.
Uma pesquisa rápida aqui – 45 segundos – feita no Google, apenas juntando o nome dele e o de Lula, trouxe 720 milhões de citações. Muita coisa para quem precisa não só ser esquecido, mas quando lembrado que o seja nas páginas mais tristes da história política nacional. E que está conseguindo um fantástico marketing ao ser citado em todos os discursos. O que acirra ânimos da sua turba, mobilizada principalmente nas redes sociais e no anonimato de perfis barulhentos que manipulam os algoritmos. Mesmo que lembrado negativamente, isso vira exatamente música para os ouvidos deles tocando a mesma cantilena que os mantém nesses tempos tenebrosos de veneração e defesa.
Ele sabe disso. A ponto de – planejadamente – não deixar nem que o respiro que o país deu aliviado assistindo à posse, troca de comandos, alegria no ar, não passasse de uma semana, tudo substituído por um sem fim de problemas e espaços ocupados, ao fim e ao cabo pelo seu nome, ao invés de por avanços ou notícias diferentes. No noticiário, os espaços não se alargam – e o nome dele continua lá, todos os santos dias, e em todas as seções – ele se espalha ocupando todas as áreas.
Não digam, não chamem mais o seu nome, não o repitam a cada passo. Ou melhor, chamem-no somente pelo nome que lhe convém chamar – forma, adjetivo, xingamento ou piada – e jeito especial certamente achado por cada um de nós que acompanhou o seu desgoverno, ficou doente, perdeu alguém amado por conta de seus atrasos e ignorância, e ainda viu muita gente ser perigosamente armada, esperou todos esses anos para vê-lo indo embora e para isso até votou no outro lado mesmo que de forma crítica.
A variedade é enorme. Todos saberão exatamente de quem estaremos falando.
___________________________________________________
MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
___________________________________________
Marli Gonçalves, sigo e transmito seu conselho.
Obrigada!!! Beijão.. e… bom dia, boa tarde, boa noite!!!
Desde que Wittgenstein – « o último filósofo », como afirmam alguns – decretou no seu « Tractatus Logico-Philosophicus », publicado nos anos 1920, que « do que não se pode falar, deve-se calar », o tema do não exprimível (linguisticamente) ronda nossa imaginação. « L’Innommable », obra extraordinária com que Beckett termina nos anos 1950 sua famosa trilogia do pós-Guerra, também faz referência ao mal-estar que disso decorre. Seria a experiência humana, afinal, algo em si mesmo tão irredutível e sui-generis, fenomenológica e semanticamente, que se tornaria impossível dizê-la, conferir-lhe sentido ? Para Beckett, o inominável é aquilo que, exatamente por não se revelar inteligível, exige ser dito – ainda que dito nos termos e condições com que nossa existência e nosso saber nos limitam, o que pode significar que o dizer vale mais que o dito… Nada a dizer é muito diferente de não ter como dizer, afinal… Por isso, « inominável » não é o que não se deve dizer, por moralismo consensual ou inépcia cognitiva, mas o que não se pode dizer, por impossível nos limites do que compreendemos.
Decorrem daí inúmeras perguntas sem resposta (ou com respostas demais…), mas uma, em particular, interessa-nos de perto : se é verdade que há algo que existe, mas não somos capazes de dizer (e, por isso, lembra Wittgenstein, não devemos tentar fazê-lo), haveria algo que, uma vez eliminado da linguagem por vontade nossa deixaria de existir (para nós ou para os outros) ? Há tantas tentativas de circunscrever disciplinarmente esse tipo de questão na filosofia contemporânea que só de pensar nelas já cansa. No entanto, há algo que podemos dizer aqui, sem medo de revoltar muito os professores de filosofia : os domínios do « que se pode » e do « que se deve » não sendo um mesmo, resulta que, se no primeiro caso obedecemos aos nossos próprios limites cognitivos ou morais, no segundo, são nossas escolhas e convenções comuns a nos pautar – e, portanto, suprimir intencionalmente algo da linguagem pode legitimamente não apenas decorrer de e conduzir ao esquecimento do que nos faz mal (e exclusivamente pelo fato de fazer mal), mas também (o que parece mais importante) à « decisão de esquecer », de banir, de relegar ao nada para que, como nada, aquilo se realize e assim permaneça. è uma decisão.
É nesse sentido que a proposta aqui explicitada de não mais dizer, ou escrever, ou mesmo aludir extra-linguisticamente, tendo por objeto o ser miserável que, por quatro anos, destruiu o país, parece-me não apenas saudável para uma sociedade que se quer reconstruir, mas também necessária aos que precisam reconfigurar um novo modo de existir no Brasil hoje – um novo modo de pensar sobre limites, objetivos e modos para um governo que, instalado no pós-trauma, tem como tarefa curar, apaziguar, « normalizar o normal », digamos. A sociedade brasileira já está farta da normalização do crime, da impostura, do terror, do ódio. Normalizar o silêncio, que deveria ocupar o lugar desse nome e dessa memória (neste sentido) inomináveis, parece-me um bom começo. Resta saber se a Imprensa brasileira, como conjunto heterogêneo que é, está disposta ao mesmo esforço coletivo. E se o próprio governo atual também está. (Às vezes, parece preciso lembrar e dizer o mal, nem que seja para relembrar o quanto são bons os que se lembram do mal e o dizem como advertência, se é que me faço entender…)
Gostei, pois, da proposta. Aqui em casa, garanto que ninguém mais se refere àquilo. Aliás, já faz tempo.
Boa!!!
Concordo em gênero, número e grau com sua proposta. Aliás, muito antes de terminado o desgoverno do i.i. (ignaro ignóbil, como o define Cacalo Kfouri) postei na minha página do Facebook um desafio: escrever um texto com no mínimo 10 linhas sobre qualquer ângulo da realidade brasileira sem citar direta ou indiretamente essa deplorável figura. Ninguém conseguiu. Na época, pelo menos 7 das 10 principais manchetes dos jornais brasileiros registravam as sandices e grosseiras do indigitado. O acúmulo tóxico de tanto chorume envenenou nossas almas mais do que gostaríamos de admitir e agora nos é particularmente difícil nos livrarmos do desejo de repisarmos o sofrimento que enfrentamos nas mãos de nosso “ex”. Olhar todos os dias para trás só aumenta o risco de nos transformarmos em um exército de estátuas de sal, sem ânimo para a necessária reconstrução.