ALMOÇO GRÁTIS

Almoço grátis. Por Silvia Zaclis

Assim como as crianças são convidadas a pensar no que fizeram, tomara que os culpados tenham na prisão muito tempo para avaliar suas ações. E aprendam que para viagens e almoços grátis, às vezes é preciso pagar um preço muito alto.

"bolinha perereca" ALMOÇO GRÁTI

A perereca foi tema de um texto que escrevi tempos atrás, e volta hoje como mais uma prova de que as experiências da infância nos acompanham vida afora.

Falo não do bichinho, mas da bolinha Perereca, brinquedo lançado pela Estrela em 1966. Era uma coisinha feia, uns 5 centímetros de diâmetro, feita com uma borracha densa, escura e lisinha.

Como pulava a perereca! E que triste foi essa descoberta.

Eu tinha uns dez anos; estava no terraço de casa que ficava sobre a  garagem. Brinca que brinca, resolvi tacar a bolinha com toda a força no chão para ver o que acontecia. Mais que depressa a perereca saltou do terraço  direto para dois andares abaixo.

De rebote em rebote, cada vez mais alto, a bolinha foi descendo a rua como num frenesi , enquanto eu corria atrás do prejuízo. Esbaforida, não dei conta de recuperar o brinquedo, que sumiu para sempre em alguma esquina da vida.

Em outra ocasião – eu era ainda mais nova –  peguei uma peça de alabastro – uma escultura muito querida de minha mãe – e pensei: “será que, se eu deixar cair no chão, ela quebra?” Não só pensei como executei. Quebrou, é lógico. E ainda hoje olho desconsolada para aquela fissura disfarçada em várias tentativas de restauração.

A partir dessas e de outras experiências menos traumáticas comecei a compreender que nossas ações têm, sim, consequências. Que se a gente bobear, a bolinha quicadora vai desaparecer; e se alguém fizer uma coisa idiota e quebrar uma peça de estimação, vai levar essa culpa (e a fama) pela vida inteira.

Essa descoberta fez com que rapidinho eu começasse a prestar mais atenção no que andava fazendo, em especial com relação às ideias de jerico.

Por isto estranhei quando ouvi, há poucos dias,  as reclamações de uma mulher que foi presa por participar da depredação dos palácios na Esplanada em Brasília.

A senhora em tela saiu lá da casa dela, a milhares de quilômetros, instalou-se num ônibus confortável e iniciou uma viagem pela qual não pagou nem um real. Chegou em Brasília e nem perdeu tempo visitando as diversas atrações turísticas da cidade.

Saiu do ônibus, bebeu uma coisinha qualquer (também grátis!) e seguiu direto em caravana para o Palácio do Planalto. Chegou para quebrar. Vidros, móveis, gavetas, obras de arte… e aproveitou para colocar na bolsa uma lembrancinha que encontrou por lá, uma peça  feita de ouro.

Tudo em meio a uma farra horrorosa tendo como vítimas os símbolos da nacionalidade brasileira. Como se fosse pouco, cada ação da caravana provocava uma ferida no nosso patrimônio artístico, destruindo ou danificando obras de  Victor Brecheret, Athos Bulcão, Oscar Niemeyer e Sergio Rodrigues, entre outros. Destruiu-se assim um pouco da história brasileira.

Por mais que se recupere cada pedacinho dessas estruturas, duvido que as coisas voltem a ser como eram.

Tive a nítida impressão que, através das janelas e paredes destruídas, deixou-se escapar um pouco do espírito que forjou esses prédios e inspirou os homens que, apesar de tudo e de tantos, continuam lutando por um país mais decente.

Essa perda irreparável fica como um alerta para os que se indignaram com a ação dos vândalos. E traz uma tristeza ainda maior: acreditar que a tal senhora e todos os seus milhares de companheiros, que vieram somente para quebrar, nunca vão entender o que aconteceu.

Perderam seu brinquedo, quebraram centenas de objetos, mas não aprenderam a lição. Assim como as crianças são convidadas a pensar no que fizeram, tomara que os culpados tenham na prisão muito tempo para avaliar suas ações.

E aprendam que para viagens e almoços grátis, às vezes é preciso pagar um preço muito alto.

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SILVIA ZACLISÉ JORNALISTA

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