Uma tormenta tributária. Por Everardo Maciel
… Na história da tributação brasileira, poucas vezes ocorreu uma combinação tão insólita de medidas como as que foram adotadas no final do ano passado…
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S. PAULO, EDIÇÃO DE 5 DE JANEIRO DE 2023
No dia 30 de dezembro, foi editado decreto reduzindo à metade as alíquotas do PIS e da Cofins incidentes sobre receitas financeiras. Não vislumbro justificativa para isso, porém o que causa perplexidade é que a medida iria impactar as receitas do governo que tomaria posse em 1º de janeiro. O decreto foi revogado pelo novo governo no dia da posse.
Houve, é claro, uma mitigação dos danos, mas, em virtude da anterioridade nonagesimal, o restabelecimento das alíquotas só produzirá efeitos a partir de abril.
A exemplo das Forças Armadas e Polícia Federal, em 2001, foram criadas adidâncias tributário-aduaneiras nos Estados Unidos e nos países do Mercosul, visando a cooperação institucional com os órgãos homólogos. A experiência foi bem-sucedida.
No final de ano, foram criadas adidâncias em Bruxelas, Paris e Dubai. Além de ser uma medida extemporânea, o espantoso é que os adidos designados foram justamente os titulares dos cargos de alto escalão da administração que saía. Inoportuno e indecoroso.
O novo governo reagiu, entretanto, de forma desproporcional àquela ignomínia. Em lugar de eliminá-la, extinguiu todas as adidâncias tributário-aduaneiras, o que configura medida punitiva à Receita Federal, reforçando a percepção de um contínuo processo de sucateamento do órgão.
Por fim, foi editada Medida Provisória (MP) estabelecendo novas regras para preços de transferências, o mais controverso e complexo tema na tributação da renda.
O modelo brasileiro é o mais simples do mundo, ainda que demande muitos aperfeiçoamentos. Optou-se substitui-lo pelo da OCDE, instituição que tem uma especial predileção por modelos tributários complexos e com elevado grau de subjetividade.
As regras vigentes são disciplinadas em 6 artigos, as propostas se desdobram em 40, o que reforçará as queixas quanto à complexidade do nosso sistema tributário.
O maior absurdo, todavia, é que o modelo somente entrará em vigor em 2024, recorrendo-se, contudo, a uma MP, que se sujeita ao requisito constitucional da urgência. Qual é a urgência?
Para tentar contornar a inconstitucionalidade, admitiu-se que empresas poderiam antecipar para 2023 a adoção das novas regras, embora não conheçam seu disciplinamento infralegal. É claro que só farão a antecipação se lograrem ganho, em prejuízo da arrecadação. E se a MP não prosperar, como ficaria a opção?
Quanta lambança!
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