Pelé sentia frios na barriga. Blog Mário Marinho
Como é que eu sei disso?
Vamos lá.
Em 1992-93 eu dirigi um programa na tevê Record que se chamava TV Aberta e era apresentado pelo Nei Gonçalves Dias. Por sinal, um ótimo apresentador.
O programa ia ao ar das 15h às 18 horas.
Num determinado dia, o Nei, antes de começar o programa, me chamou para conversar.
– Marinho, como está a programação de amanhã?
O programa era uma revista que misturava jornalismo, cultura, música, entretenimento – enfim, um bom cardápio para as tardes, de segunda à sexta. Tudo ao vivo inclusive entradas de externas.
– Bem Nei, está tudo programado.
– Eu preciso de um espaço amanhã.
Para?
– Entrevistar o Pelé.
– Pelé vem aqui? Com certeza?
– Combinei com ele às 16 horas.
Fui até à redação e conversei com a minha chefe de redação.
– Deixe meia hora para o Pelé, mas deixe alguma coisa de estepe para o caso dele não aparecer.
Eu tinha minhas dúvidas. Afinal, o programa era novo, ainda pouco conhecido no mercado, ia ao ar à tarde, e a Record não era dona de uma audiência notável.
No dia seguinte estava em minha sala, quando o telefone tocou. Era da portaria, me avisando que o Pelé estava lá. O porteiro estava em dúvida se era para ele entrar ou não.
– Claro que é para ele entrar! Mande alguém trazê-lo à minha sala.
Minutos depois, Pelé estava na minha sala.
A entrada dele no programa estava prevista para 16h10. Tínhamos meia hora para encher linguiça.
Começamos com aquela conversa mole de quem está esperando trem. Até que eu contei a Pelé que o conhecia há muitos anos.
– Eu trabalhava no Jornal da Tarde em 1968 e passei o ano todo cobrindo o Santos. Me encontrava com você quase todos os dias. Depois cobri a Seleção em treinamentos no Rio e, na sequência, em amistosos em Salvador, Aracaju e Pernambuco em preparação para as Eliminatórias e naquele jogo em Assunção Paraguai já pelas eliminatórias da Copa de 1970.
– Ah!, bem que quando cheguei aqui eu vi que Você não me é desconhecido.
– Pelé, agradeço muito a sua gentileza, mas você não se lembra. Já se passaram mais de 20 anos, eu era bem mais magro e não tinha esse bigode.
– Tá vendo, é por isso que eu não mudo a minha cara. Assim, ninguém se esquece de mim.
Pelé sempre foi assim, muito gentil.
Faltavam cinco minutos para o horário de entrada, quando o diretor de estúdio, entrou na minha sala e anunciou:
Marinho, o próximo é o seu Pelé. Melhor ir já para o estúdio.
Foi quando Pelé me surpreendeu:
– Agora é que dá aquele frio na barriga.
– O quê, Pelé? Você tem mesmo frio na barriga antes de ir para o ar?
– Claro! Depois que começar a entrevista, eu me solto. Mas, até lá… Quando eu jogava era assim também: enquanto a bola não chegasse aos meus pés e eu não dava o primeiro toque nela, sentia o frio na barriga.
Fiquei espantado com essa revelação. O homem, o Rei que já deu milhares de entrevistas estava nervoso.
O Rei Pelé, vejam só, era humano!
Abençoado
Por Deus
Quando Pelé nasceu, Deus ordenou a uma Fada Madrinha que seguisse seus passos e o protegesse.
Quando criança, Pelé teve dois apelidos: Tico, apelido caseiro, e Gasolina. Foi com esse apelido que ele chegou ao Santos.
Mas havia um outro que ele não gostava: Pelé.
Ele não sabe por qual motivo, mas um dia chamado por um coleguinha da escola de Pelé. Só que o apelido mais usual dele era Gasolina.
Agora, pense bem: se vinga esse apelido de Gasolina, não ia dar certo. Imagina quanto trocadilho ruim ia nascer daí, tipo “Gasolina põe fogo no jogo”, em caso de queda: “Gasolina se esparrama no gramado” e por aí vai.
E pense na dificuldade da pronúncia de “Gasolina” pelos estrangeiros.
Então, a Fada Madrinha entrou em campo para que fosse adotado o apelido de Pelé.
Dizem que a fada até pensou em Edison, mas achou muito comum e pouco sonoro. Pelé, sim, tinha sonoridade.
Mas não foi só aí que a fada atuou.
Até o surgimento de Pelé, a camisa 10 era uma camisa normal. A número 9 chamava mais a atenção porque era o número do centroavante, do goleador.
Pois não é que na Suécia, na Copa de 1958, quando o jovem Pelé seria coroado Rei do Futebol, os dirigentes brasileiros se esqueceram de mandar para a Fifa a relação dos jogadores com o respectivo número?
Foi um diretor da própria Fifa, na pressa de registrar os jogadores que distribuiu os números aleatoriamente.
O goleiro Gilmar, que sempre foi o Número Um, ganhou e jogou com a camisa 3; Garrincha que era ponta direita, recebeu o número 11, tradicionalmente reservado aos pontas esquerda. E Zagalo, o ponta esquerda, ficou com a camisa 7.
E com quem caiu a camisa 10?
Claro, com Pelé – obra e graça da Fada Madrinha.
Daí para a frente, a camisa 10 pegou uma mística que não a largou mais. Grandes jogadores do futuro, como Maradona, Messi, Neymar, vestem a camisa 10.
Nos meus tempos de futebol de várzea, ao chegar a algum campo de terra onde eram disputados esses jogos, eu procurava logo identificar o camisa 10 porque, com certeza, ele era o melhor do time.
Pelé me deu a oportunidade de dois furos quando eu era repórter do Jornal da Tarde.
O primeiro furo foi sobre a participação do Pelé numa novela.
Aconteceu que um dia ao chegar à Vila Belmiro, Carlos Alberto Torres, que era o capitão do time e me abastecia de notícias, me deu um toque:
– Mineiro (era assim que ele me chamava), tá acontecendo alguma coisa lá em cima. Aquele ator da televisão, Carlos Zara, está reunido com o presidente do Santos (que era o Athiê Jorge Couri) e o Pelé. Fica ligado.
Eu tive que fazer manobras para me desvencilhar de um repórter da Folha da Tarde, que ficava colado em mim – ou no repórter do JT que estivesse na cobertura).
Quando consegui ficar livre, o Carlos Zara estava saindo da Vila Belmiro. Corri para entrevistá-lo.
Carlos Zara era o principal ator da TV Excelsior que era uma espécie de TV Globo daquela época, 1968.
Foi difícil, mas ele acabou me contando o principal: Pelé ia assinar contrato com a Excelsior para participar de uma novela. Não, não seria jogador de futebol. Talvez um professor.
Não consegui falar com o Pelé nem com o presidente Athiê. Também, não insisti muito para não colocar o furo em risco.
No dia seguinte, a manchete do JT foi: “Pelé mocinho de televisão”.
Alguns meses depois, Pelé estreava numa novela de ficção científica de Ivani Ribeiro. A novela era muito estranha para os padrões da época e não pegou.
A novela tinha um bom elenco: Rosa Maria Murtinho, Pelé (um estreante), Regina Duarte, Stênio Garcia, Carlos Zara, Gianfrancesco Guarnieri, e outros.
O segundo furo, teve esta manchete: “As aventuras de Pelé na África”.
O Santos estava retornando de uma excursão pelo continente africano e eu precisava contar essa história.
Lembro-me que o carro do jornal foi me pegar às cinco horas da manhã e fomos para Viracopos, onde a chegada do avião estava prevista para as 10 horas.
Quando o avião chegou, foi quase impossível falar com os jogadores que, cansados e com saudades da família, queriam ir embora logo.
Quando o ônibus saiu para Santos, o carro do jornal o seguiu.
Lá em Santos, consegui conversar com alguns, rápidas palavras de Pelé, mas uma informação aqui e outra ali deu para montar a matéria que deu origem à manchete do JT.
Na matéria, contei que uma guerra foi paralisada (provavelmente no Zaire) para que o time do Santos pudesse jogar.
O Santos perdeu o jogo e houve imensa comemoração com os africanos cantando pelas ruas: “Senhor homem branco, vencemos Pelé”.
Havia o relato também que um homem procurou Pelé no hotel, acompanhado de uma mocinha. O homem queria ser avô de um neto de Pelé.
Enfim, são só algumas das aventuras de Pelé.
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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)
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Pelé não morreu. O rei é eterno. Blog Mário Marinho
Leia também: Tributo ao Rei Pelé. Por Laurete Godoy ( 16/9/2021)