A seita dos Manés. Por Alexandre H. Santos
Os seguidores da Seita dos Manés têm uma colossal dificuldade de entender o que é “liberdade de expressão”. Acreditam que esse termo – muito usado e nada entendido – nos garante o absoluto direito de caluniar quem quer que seja, de criar e difundir fake news e ameaçar a vida dos diferentes.
“Lula venceu a eleição.
Bolsonaro deveria entregar a Faixa Presidencial a ele.
É questão institucional!”
Vice-Presidente General Hamilton Mourão
Só é novidade para os que caminham sobre o planeta Terra com a cabeça no mundo da Lua. Construir a Democracia – ao mesmo tempo em que vivemos sob a égide dela – dá um trabalho danado. Como tantos já disseram, a obra exige empenho cotidiano, perene e jamais se conclui. Além disso, o regime democrático é difícil porque exige civilidade – relações pacíficas, plurais, flexíveis e inclusivas.
As seitas, ao contrário, são singulares, rígidas e exclusivas. São refratárias a críticas e a divergências. Também usam ser agressivas, pois todo fundamentalismo inspira, cria e replica verdades únicas e dogmas definitivos. Ninguém é livre quando se torna adorador de uma seita.
Vem daí a enorme, talvez intransponível, dificuldade de os sectários conviverem bem com a Democracia. Quem duvida do Chefe é visto pelo rebanho como transgressor, até como inimigo. Por isso, mostra-se tão natural a incompatibilidade entre as seitas, quaisquer que sejam elas, e a convivência pacífica e colaborativa proposta pela República.
Se o respeito ao plural fundamenta e fortalece a sociedade civil, para o pensamento sectário se dá exatamente ao contrário. A visão que os membros da Seita têm do trato social é maniqueísta e autoritária. Não raro, violenta. Pois o diverso, o diferente e o incomum ameaçam o universo paralelo dos extremistas. Não houve, não há e nunca poderá existir esse mundo padronizado pela mesmice, que o rebanho sonha em viver e, pior, deseja obrigar os outros a viver.
Em uma Democracia a crítica, a dúvida e o contraditório são celebrados como instrumentos fundamentais e necessários ao desenvolvimento do convívio tolerante. Mas em uma seita o chefe não admite questionamentos. Ou você oferece à falange sectária total submissão, ou você é visto como alguém “de fora”; ou seja, você é estigmatizado e expulso. Goste ou não, acontece assim. Um bom e lapidar exemplo nos foi dado pelo militar Eduardo Pazzuello, ex-ministro da Saúde – com seu simplório, mas sincero linguajar: “Um manda e outro obedece!”
(Fico imaginando o íntimo êxtase orgástico do Capitão ao mandar, desmandar e humilhar Generais!)
Onde existe seita há necessidade de um higiênico cordão sanitário. É imprescindível criar uma ruptura na cidadania e fazer prosperar a ideia do NÓS e do ELES. O Nós são minha patota, meu grupo de queridinh@s. O Nós está formado por pessoas bem-aventuradas, aquelas que foram “tocadas” pela verdade do Chefe, de Deus, de Jesus, de Jeová. São os escolhidos, os autênticos patriotas. Aqui estão os virtuosos, os que respeitam a família, as tradições e os bons costumes.
Já o Eles são o resto – entenda-se, quem não é igual a mim! No saco do Eles cabem os infiéis que não ouviram ou não quiseram responder ao Chamado Divino. Aqui entra tudo o que não presta: desviantes, pecadores, viciados, perdidos. Claro, a parte a ser extinta da sociedade. Sim, eu disse extinção – gente a ser convertida ou executada. Se pudessem, os fanáticos da Seita dos Manés fuzilariam os que consideram antipatriotas: os petistas, comunistas, socialistas, defensores dos direitos humanos, negros, povos originários, comunidade Lgbtqia+, pais e mães de Santo, ateus e Cia.
Os seguidores da Seita dos Manés têm uma colossal dificuldade de entender o que é “liberdade de expressão”. Acreditam que esse termo – muito usado e nada entendido – nos garante o absoluto direito de caluniar quem quer que seja, de criar e difundir fake news e ameaçar a vida dos diferentes. Esses e essas extremistas supõem, erradamente, que a Democracia permite a gente dizer o que quiser, quando, como, onde e contra quem quiser. Mas não é assim que a orquestra democrática toca. Em um sistema de governo republicano, o exercício da liberdade exige responsabilidade por tudo o que se diz, que se faz, que se manda e que se deixa de fazer – como é o caso da prevaricação.
Em toda seita há aqueles e aquelas fanáticas que se destacam por demonstrar total obediência canina aos preceitos do Chefe. No caso da Seita dos Manés, os queridinhos são extremistas. O melhor exemplo do momento mostra os seguidores que ainda permanecem, mesmo que em número reduzido e decrescente, acampados em frente a quartéis e instalações militares. Essas pobres criaturas desconhecem – por pura ignorância – que estão sujeitas à aplicação da Lei.
Há pelo menos 4 ações que são tipificadas como crimes e os adoradores da Seita dos Manés estão cometendo nesse exato agora:
- Abolição violenta do Estado Natural Democrático de Direito;
- Tentativa de golpe de Estado;
- Crime contra a honra; e
- Incitação ao crime.
Cedo ou tarde, as fanáticas seguidoras e seguidores da Seita dos Manés perceberão que foram iludidos. Mas pagarão pelos crimes.
É certo que gente da seita tem começado a desconfiar. Transcrevo abaixo as declarações feitas ontem (18/12) pelo bolsonarista roxo-raiz, o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ). Ele criticou o chefe da Seita dos Manés, digo, chefe do Executivo, pelo silêncio e reclusão após a derrota nas eleições: “O silêncio do Presidente, e pior do que o silêncio, as frases enigmáticas, fotos enigmáticas, isso está fazendo muito mal ao povo. Isso chega a beirar – e eu sei que a palavra que eu vou usar é muito forte –, mas isso chega a beirar uma covardia, uma manipulação do povo…”
Levas crescentes de ex-seguidores-raiz já estão despertando dessa catarse grupal que dominou a Seita dos Manés. Deve causar no estômago uma sensação ruim, e no amor-próprio um flagelo ainda maior, a pessoa se sentir usada, abusada, enganada e, depois, simplesmente esquecida…
Um ou outro fanático, paciência, talvez um caso clínico psiquiátrico, seguirá recitando bovinamente o 3º Mandamento da Seita dos Manés:
“Mito, me engana que eu gosto!”
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*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano como consultor, terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza atendimentos e workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..
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